Embora pareça um contrassenso, para se aproximar da felicidade, convém observar ao que parece ser o oposto dela, o sofrimento.
É fundamental diferenciar dor de sofrimento. O primeiro é o dano e as sequelas provocadas em alguém por uma lesão ou golpe físico ou emocional. Já o segundo consiste na forma como nossa mente percebe, interpreta e vivencia essa dor, e que muitas vezes se transforma em um calvário ainda maior.
Por exemplo, quando se erra o martelo e ele atinge a mão, a dor costuma ser bastante desagradável, dependendo da força. Mas o problema é que ela pode não se limitar a isso, pode provocar lamentação, arrependimento e frustração.
Em vez de apenas aceitar a dor da martelada, muitas pessoas poderiam remoer o erro e pensar consigo mesmas que deveriam ter sido mais cuidadosas, e acabam se culpando categoricamente pela falha. Num extremo, algumas poderiam até ‘travar’ e deixar de fazer trabalhos manuais para o resto da vida.
Vamos para mais um exemplo. O namoro acaba após anos de felicidade, o que parte o coração e causa muita dor. Nas semanas ou meses seguintes, a pessoa sofre, chora, sente-se ‘dor de cotovelo’ e se repete que a culpa é dela, que deixou escapar a pessoa de sua vida, sua alma gêmea, e não encontrará outra igual.
“Conclusão: a dor é ineludível, porque ao longo da vida sofremos todo tipo de traumas e feridas, mas o sofrimento, ou pelo menos um alto percentual da angústia e amargura que causa um fato doloroso, pode ser evitado mudando a percepção sobre ele e o aceitando”, assinala o terapeuta transpessoal Raúl Vincenzo Giglio, especialista em acompanhamento a pessoas de luto.
Segundo ele, uma das formas mais saudáveis de perceber a dor é aceitá-la, reconhecendo que a existência humana é dual e em transformação. “Os sábios orientais costumam comparar a vida a um rio, que flui entre duas margens, a da felicidade e a da dor, e cujas águas estão em permanente contato com ambas as margens”.
Outra forma positiva de enxergar a dor é considerá-la como o que realmente significa, “um sinal de alarme ou sintoma enviado por nossa mente ou corpo para indicar que há em nosso organismo ou mundo psicológico algo que não funciona bem, que requer nossa atenção e que devemos revisar ou solucionar”, assinala Giglio.
EFE
Os três tipos de sofrimentos
Os textos de psicologia ensinam que existem diferentes tipos de sofrimentos ou “dores da alma”. Um deles é o manifesto, que é o que temos quando alguma coisa nos incomoda, em nível físico ou emocional, seja no corpo ou na mente, em decorrência, por exemplo, da perda ou rejeição de uma pessoa. Ou seja, qualquer tipo de mal-estar notório, evidente.
Por sua vez, o sofrimento por mudança ocorre quando nos sentimos aliviados depois de uma dor passar, mas em pouco tempo surge outra. Muda-se um sofrimento por outro. Neste caso, a felicidade que sentimos é passageira e tem mais a ver com o alívio do que com um autêntico bem-estar.
Também há o sofrimento constante. Trata-se de um mal-estar sutil, inconsciente e perene, que permanece quase todo o tempo com a pessoa porque sempre há um motivo para sofrer, e se este não existe, ela o buscará. Pode-se inclusive ‘sofrer por antecipação’, diante das possíveis ameaças ou desgraças que a vida pode trazer no futuro.
“Em nenhum desses espaços de sofrimento pode se manifestar o bem-estar ou a felicidade duradoura, que se baseia na paz interior. Esta, por sua vez, surge da capacidade de manter a calma em qualquer circunstância, de viver o aqui e agora, de sentir os prazeres da vida, de aceitar as adversidades e de sentir amor e compaixão pelos demais”, explica o terapeuta.
No terreno positivo, ele destaca que “quanto mais nos afastamos das miragens e exigências das condições externas e mais nos aproximamos da paz interior, mais nos afastamos do sofrimento e nos aproximamos da felicidade”.
“Toda adversidade tem uma intencionalidade da vida. Não consiste necessariamente em causar sofrimento psicológico, mas em nos ajudar a crescer e evoluir como pessoas”, aponta.
Giglio levanta explicações positivas para se aproveitar os prazeres e observar a vida de forma otimista. “O universo não é uma máquina criadora de dor, mal-estar, torturas ou golpes existenciais. Por trás de todo acontecimento, há um amor infinito. O mundo não é um vale de lágrimas, aonde viemos para sofrer. Somos feitos para aproveitar a beleza e a plenitude da vida”.
De acordo com o terapeuta, “as adversidades são criadas pelo universo para que nos superemos e fortaleçamos. Se não existissem, não cresceríamos, ficaríamos estagnados. Graças a elas, obtemos novos recursos, capacidades, relações, fazemos mais coisas e melhores. Estão presentes no caminho da vida, para mudarmos, não para sofrermos”.
“Por trás de cada adversidade, há uma oportunidade. É preciso estar atento ao inesperado, porque ali se esconde o universo: a vida cheia de sementes para potencializar grandes oportunidades, renovações, processos, aprendizagens, descobertas e experiências”, finaliza.
María Jesús Ribas (EFE)