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quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Eleições 2010 / Artigo: A região azul vive seu momento de som e fúria

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A região azul vive seu momento de som e fúria

Por Dante Filho *

Os colunistas não escrevem, os especialistas evitam o assunto, os cientistas políticos relutam, mas o fato é que, passada a eleição – e anunciada a vitória de Lula/Dilma Rousseff -, aquela parcela do País que sustenta o PIB brasileiro está profundamente chateada com a derrota de José Serra à presidência da República.

O nível de tensão da chamada região azul (aquela que se autoregula, gera riqueza, valoriza a cultura da eficiência e tem níveis elevados de IDH) está um pote até aqui de mágoa. Se alguém riscar um fósforo a coisa explode. Está mais do que claro que o pessoal que apostou na chamada alternância de poder – a rigor, a grande maioria da sociedade – não está gostando da comemoração e dos rostos sorridentes dos mandatários do consórcio PT/PMDB.

Quem entende de humores da opinião pública e imagina a quantas anda as emoções coletivas – principalmente nas chamadas classes médias e segmentos emergentes, que, preferencialmente, deram seus votos a Serra – tem sensibilidade suficiente para notar o esforço que os meios de comunicação estão fazendo para dissipar os sentimentos difusos, enaltecendo os valores da democracia, da tolerância e da boa convivência social.

Mas as coisas aqui embaixo estão complicadas. Querem um exemplo banal? Quantos conhecemos que abandonam a sala ou mudam de canal quando repórteres esforçados aparecem na cerimônia baba-ovo nos telejornais? Quantas pessoas deixaram por ora de dar uma olhada nas manchetes só para não ver o rosto rotundo de Dilma sorrindo como se fosse um escárnio à nossa tolerância cordial?

Não é preciso ser versado em sociologia nem em ciências políticas para saber que a sociedade brasileira mostrou com clareza sua divisão de conceitos neste processo eleitoral. Só aqueles que professam a má-fé e a desonestidade intelectual amenizam os dados da realidade. As oposições abocanharam 43 milhões de votos de um total de 106 milhões de eleitores. Quase 30 milhões se abstiveram e 7 milhões prefeririam o “branco” ou “nulo”. Dá pra dizer com segurança que Dilma tem a maioria da Nação com ela?

Sim, dirão seus eleitores, mostrando os 55 milhões de votos que a consagraram nas urnas. Mas outros poderão dizer que, do total de eleitores, 60% colocam Lula/Dilma sob o crivo crítico ou coisa pior. Tanto isso é verdade que os primeiros discursos (elaborados com a destreza conciliatória de Antônio Palocci) procuraram apaziguar os ânimos e jogar paninhos quentes sobre a frustração do eleitorado. Não custa lembrar que na primeira entrevista ao Jornal Nacional – diante de um Willian Bonner e uma Fátima Bernardes quase de cócoras – Dilma só faltou elogiar FHC tamanha sua demonstração de aderência ao status quo.

Claro que o PT olhou os números e sabe que a região azul está por demais contrariada com o desfecho das eleições. Por isso, o partido está injetando uma superdose de vacinas preventivas. E dá-lhe profissão de fé na democracia, na liberdade de imprensa, no combate à corrupção, nos fundamentos da economia, no mercadismo, na responsabilidade fiscal, nos critérios de mérito de valorização do funcionalismo, nas políticas de saúde e segurança – enfim, bandeiras da oposição que embalaram a campanha de Serra – promovendo assim um notável esforço de marketing para ver se segura a onda nesta fase de transição de poder.

Certamente, a turma da região azul também sabe que toda essa conversa bem-intencionada nada mais é do que firula, pois até as frinchas do mármore do Palácio do Alvorada perceberam que a bandalha lulista continuará intocável.

Por enquanto, há uma ligeira amnésia na imprensa sobre como Dilma chegou ao poder, surfando nos abusos de uma máquina irresolutamente corrupta, sob o comando de um presidente inescrupuloso no trato com a coisa pública.

Sabemos que é da tradição brasileira essa carnavalização comemorativa do time vencedor. Mas o problema – e parece que alguns esquecem – é que a torcida contrária parece estar robustecida, ainda mais considerando a quimérica idéia de que a popularidade presidencial anulava por si só qualquer tipo de oposição. Os números eleitorais estão aí a demonstrar que o buraco se localiza um pouco mais abaixo do furor encantatório das bandeiras desfraldadas que se agitam no momento.

Outro sinal de que a coisa está fervendo é o esforço quase indulgente que toda a mídia vem fazendo para carimbar Aécio Neves como novo chefe das oposições. Só que ele é um sujeito moderado demais para fazer o tipo de oposição que o lulo-dilmismo requer. No fundo, Aécio apenas garante o acordo por cima das elites, algo que vem sendo feito desde o Império. Por isso, ele é o sonho da base aliada: uma oposição “neutra”, calcada no compadrio, na conversa mansa e nos sussurros conspiratórios de pequena monta.

Na verdade, o grosso do eleitorado da região azul está querendo ver o mineiro pelas costas. A ele cabe por ora famoso papel de Joaquim Silvério dos Reis. Aécio está mal na fita. O assunto tomou conta das ruas: qualquer eleitor medianamente informado sabia que a Minas Gerais cabia o papel de salvaguarda da vitória serrista. Só que Aécio, pela segunda vez – a primeira foi com a eleição de Geraldo Alckmin –, tergiversou na hora da decisão. Enrolou, fez jogo de cena e não entregou os votos prometidos, numa evidente contradição de quando foi a vez de cuidar de seus interesses e a de seu sucessor, Antônio Anastasia.

Mas Aécio é esperto o suficiente para saber que o momento adverso poderá ser transformado no decorrer do tempo com posturas afirmativas construídas por meio de agendas colocadas de maneira dispersa pela sociedade no decorrer da última campanha: reformas políticas e tributárias que possam reduzir o estatismo e o populismo reinantes.

A preocupação que se coloca neste momento é se todo o instrumental disponibilizado a favor de Lula/Dilma aplacará o pessoal da região azul. Sabe-se que o sentimento de frustração social pode até ser dissipado momentaneamente, mas essa rinha voltará a se adensar no próximo pleito, desta vez municipal. Com muita sorte, Dilma poderá atravessar esse mar revolto (por força de um noticiário acrítico) sem grandes desgastes (na base de expectativas futuras, clima de fim de ano, recesso congressual etc.), embora se saiba que a luta por cargos e o apetite da base aliada dificilmente se ajustarão ao modelito da transição de poder convergente como se quererá fazer crer.

Quem tem olhos e ouvidos atentos para a ebulição vivida pela turma da região azul deve saber medir os próximos lances. Pois quem errar politicamente agora estará comprometendo o futuro a longuíssimo prazo. Muitos já perceberam que aquela oposição meia-boca não funciona. Político que não definir com clareza de que lado está dançará feio. Ficou evidente que a sociedade está mudando rápido demais. O tempo da moleza e da enrolação pode estar no começo do fim. Ainda bem.

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