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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A grande festa vai perder o seu brilho

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Entrevista com Francisco Maia, presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul),

A Expogrande (Exposição Agropecuária de Campo Grande), tradicional evento da Capital que mistura negócios agropecuários com shows e lazer, caminha para se tornar menor. A exposição, que em 2010 fez circular cerca de R$ 100 milhões – sem contar a movimentação no setor de comércio e serviços -, terá seu fluxo econômico atingido por falta de público. Ao menos é o que prevê Francisco Maia, presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), promotora da Expogrande. A perspectiva foi desenhada após liminar assinada pelo desembargador Sideni Soncini Pimentel, do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), proibir a realização de shows no Parque Laucídio Coelho, “lar” da Expogrande. A decisão provocou efeitos em série, como a alteração na Lei Complementar 8/1996 – a “Lei do Silêncio” – e a possível mudança da grade de shows já comprada para a Expogrande para Cuiabá (MT).

Francisco Maia – ou Chico Maia, como é mais conhecido – afirma que o poder público adota “dois pesos e duas medidas” em relação ao Parque de Exposições, principalmente no que se refere ao licenciamento ambiental para eventos em Campo Grande. “Se nenhum lugar na Capital tem licenciamento para fazer shows, por que proibir somente no parque?”, diz o presidente da Acrissul, que ainda lamenta o fato de Campo Grande perder o palco que projetou algumas das atuais estrelas da música sertaneja nacional. Apesar do adeus às atrações populares da Expogrande, Maia garante que a feira será realizada com foco no agronegócio – responsável pelo nascimento da exposição.

O Estado – Como o sr. vê a polêmica e a possibilidade de Campo Grande perder os shows marcados para a Expogrande deste ano?
Chico Maia – É muito triste, muito desgastante. O tempo do Judiciário, do Legislativo e do poder público é um. O tempo dos empresários é outro. A parte que menos dá trabalho em
um show é a questão ambiental. Há discussão de valores, agenda e outros quesitos. Foi um ano para se elaborar a grade de shows. Como essa notícia tomou conta do Brasil, os empresários e artistas ficaram preocupados. Não poderiam ficar na dúvida por causa
de uma decisão judicial. Um evento deste tamanho, que envolve milhares de pessoas e dezenas de procedimentos, não pode ser interrompido 60 dias antes.

O Estado – E qual o prejuízo já calculado?
Maia – O prejuízo é para a cidade. Mais do que o prejuízo em dinheiro, tem de se considerar o prejuízo à cultura e nossa tradição. A grande festa vai perder o seu brilho. Mas a exposição continua. Tem 52 leilões já marcados, mais de mil cabeças de argola. Vai ser uma festa de negócios. Sobre a parte noturna, que é onde o povo invadia o parque, fizemos de tudo. Apresentamos propostas possíveis de diminuir o horário, com cada um cedendo um pouco, propusemos sentar a Acrissul, a prefeitura e o Judiciário para ver o que cada um poderia ceder. Mas, infelizmente, não foi possível. Os prejuízos são enormes. Esperávamos 500 mil pessoas para vir aos shows. Pensa esse público todo programado nas lojas, comprando roupas, acessórios, gastando com táxi para vir namorar e passear. Os hotéis ficam cheios, o comércio fica cheio, os restaurantes ficam cheios. É um impacto muito forte. É dinheiro que a cidade movimentaria em função do parque nesses dias. Eu lamento. É uma pena que foram ver uma coisa muito pequena e mesquinha para tomar uma decisão dessas.

O Estado – O que a Acrissul pretende fazer a respeito dos shows?
Maia – Eu estou fora dessa discussão. Isso é problema dos promotores com quem quer que seja. Não vou mais gastar meu tempo e minha energia para discutir show, que é uma concessão que a Acrissul faz para a cidade. Nós não precisamos de shows para tocar o nosso dia-a-dia no parque. Isso não é o nosso negócio. Não posso colocar o nome de uma entidade
que tem tanto prestígio, peso e história num desgaste desnecessário. Estamos sendo colocados como se fôssemos pessoas que não gostam da cidade, prepotentes, e que perturbam a vizinhança. Não queremos nada disso. Temos de preservar a nossa história e tradição.
O Estado – E quanto ao tradicionalismo que até o prefeito Nelson Trad Filho (PMDB) frisou em relação aos shows da Expogrande?
Maia – A questão do tradicionalismo não é um problema que diz respeito a mim, e sim, ao promotor e ao prefeito. Eu venho todos os dias aqui, e não posso gastar o que eu tenho
de mais caro, que é o meu tempo, nessa discussão. Temos uma administração com êxito na Acrissul. Não por uma questão dessas, que parece até uma questão pessoal, mesquinha,
pequena.

O Estado – Os shows são realizados sem licenciamento?
Maia – O show acontece há 83 anos. O próprio secretário Marcos Cristaldo disse em entrevista, em letras claras, que Campo Grande não dispõe de nenhum local que tenha licença ambiental
para realização de shows. E o poder público continua fazendo shows em vários lugares, como no Parque das Nações Indígenas, que é do lado do Cras (Centro de Reabilitação de Animais
Silvestres). Mas não quero mais questionar nada disso. Não preciso mais me desgastar. É um problema da cidade e que deve ser resolvido pela cidade. Nós, da Acrissul, estamos fora dessa discussão. Agora, se vai ter show, será uma decisão apenas e tão somente dos promotores.

O Estado – Outros eventos já deixaram o Parque de Exposições, como o Moto Road. Por que isso acontece?
Maia – Cadê o Moto Road? Foi embora porque não teve incentivo, não teve apoio. Eu acho que estamos em um momento onde todas as cidades importantes do Brasil aumentam o palco dos artistas de Mato Grosso do Sul. Luan Santana, João Bosco e Vinícius, Maria Cecília e Rodolfo, Munhoz e Mariano, Almir Sater e assim por diante. Na hora que nos tornamos a capital da música sertaneja no país, onde todas as grandes cidades aumentam o palco para os nossos artistas, nós tiramos o palco deles? Sou muito pequeno para enfrentar uma discussão sem
entendimento, sem sentido e que não leva a lugar nenhum.

O Estado – Como essa polêmica recaiu no meio artístico?
Maia – Isso é assunto no meio dos artistas. Todos lamentam o que está acontecendo na cidade, pois eles têm um grande carinho por Campo Grande e pela nossa população. A maioria começou tocando aqui, nas violadas universitárias. A Acrissul está para a música sertaneja assim como a Vila Belmiro está para os Meninos da Vila. Você tira o campo para que surjam
novos talentos.

O Estado – E como ficará a Expogrande?
Maia – A nossa feira é muito forte. Vamos fazer uma programação muito bem elaborada para o agronegócio. Com muitas palestras, negócios e leilões, e com um modelo diferente. A feira funcionará até às 19h. À noite o parque é fechado, ficando somente a área de leilões. Será uma feira de trabalho durante o dia e, lamentavelmente, não será uma feira popular.

O Estado – Há a possibilidade de pedir fiscalização de outros shows na cidade?
Maia – Não tenho que ficar me preocupando com assuntos que não dizem respeito a mim. É claro que isso é uma questão de bom senso até do promotor Alexandre Rasslan. Eu acredito que, se na Acrissul não pode, não pode em lugar nenhum, já que o secretário disse que nenhum lugar tem licença ambiental. Agora querem mudar o Carnaval para outra área. Lá não tem licença ambiental, mas não me cabe discutir onde vão acontecer as coisas. Aqui não pode, então vamos acatar.

O Estado – O sr. acredita que possa ser vítima de algum tipo de retaliação?
Maia – O que está acontecendo é retaliação. Muita retaliação para não ter o evento. E os empresários não estão fazendo mais do que autodefesa, seguindo o instinto de sobrevivência.
São milhões de reais em jogo. Agora, Cuiabá, pelo menos no que ouvi falar, pretende promover uma grande festa, dizendo que passou a ser a capital da música sertaneja. Até parece que as autoridades estão mobilizadas nesse sentido. Já perdemos a Copa do Mundo, agora vamos perder os shows. Dois a zero para Cuiabá.

O Estado – Há uma reclamação dos jovens de que em Campo Grande não há entretenimento. Como o sr. vê essa queixa?
Maia – Se eu fosse prefeito talvez teria todas as respostas, mas isso não me diz respeito. Como presidente da Acrissul, eu lamento. E nós já trouxemos aqui as grandes festas. As grandes festas de Campo Grande são aqui. Agora, como cidadão, eu acho que a Morena colorida e bonita vai estar com a roupa cinza e triste.

O Estado – Há a possibilidade de alguém estar interessado nessa área, ou do Parque de Exposições mudar de lugar?
Maia – A área do parque foi comprada em conjunto por produtores, na época naturalmente encabeçados por alguns como Laucídio Coelho e Dolor Ferreira de Andrade. Conversas existem de todas as maneiras, de todos os mais diversos assuntos, mas a Acrissul não está à venda. Não há possibilidade de mudança do parque. Enquanto eu for presidente da entidade não discuto isso. Essa área é particular. Eu entendo que quem tem de fazer parque de exposições é o governo. Em todos os lugares do Brasil é uma atividade de desenvolvimento
de um segmento da economia. O governo tem de mobilizar seus recursos e entregar o parque depois de pronto para uma entidade tocar. Não somos nós que temos de ser responsáveis pelo desenvolvimento do agronegócio. Nós fazemos isso, mas nossa entidade é uma entidade forte. E, agora, nosso projeto é transformar isso aqui para termos recursos e ficarmos autossuficiente. Depois vamos buscar alguma outra área para fazer mais provas de ganho de peso, e aqui ser transformado na cidade do agronegócio. Pensamos em uma parceria com a
Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

O Estado – O que sustenta a Acrissul hoje?
Maia – É sustentada pela mensalidade dos sócios e aluguel dos espaços. Nós temos tatersais que recebem em média 150 leilões por ano, e um percentual dos negócios é repassado à entidade. E quando tem shows é alugado o espaço e se recebem pelos patrocínios. Isso sustenta a entidade. Não temos nenhum tipo de recurso público. Temos somente alguns investimentos oriundos de uma emenda parlamentar em que veio recurso federal para construção do tatersal. E durante as feiras há recurso do Ministério da Agricultura. A presença do Estado é imperceptível.

O Estado – A quem interessa acabar com os shows e a polêmica em torno dos eventos?
Maia – A Câmara Municipal aprovou uma lei que resolveria todo esse problema. Porque a lei existe, mas foi alterada, e diz que durante a Expogrande não tem limite de decibéis e nem licença ambiental, pois está dentro das exceções. A prefeitura diz que a lei é sem efeito, e tem
se posicionado não com muita boa vontade. Solta ainda essa de que aqui na avenida (Via Morena, no entorno do parque) não vai ter Carnaval. Vem tudo somando como se fosse uma
barreira contra nós. Não sei a quem interessa isso. Certamente não interessa ao povo, que, na hora da eleição, aqueles que gostam de música, shows e de diversão vão fazer as suas contabilidades.

O Estado – Como está a pessoa Chico Maia diante de toda essa polêmica?
Maia – Nada disso me afeta. Não me desgastou. Eu acho que a população sabe quem estava do lado dela e quem estava contra. Eu certamente não causei nenhum prejuízo à população de Campo Grande. Se fosse por mim teria os shows, a melhor feira do Brasil, e teríamos dez dias
de muita festa e alegria. Aliás, em momento nenhum quisemos nos colocar contra a população do bairro (Jockey Clube). Fizemos várias propostas para que os shows pudessem causar menos impacto. Mas eu questiono. Como fica a população de Salvador? Será que todos os baianos gostam de Carnaval? Será que todo carioca gosta do Show da Virada? Todos têm vizinhança.

Entrevista publicada no jornal O Estado MS, em 14 de fevereiro de 2011.

Fonte: Jornal O Estado MS

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