Artigo de Carlos Castilho sobre jornalismo.
Esta discussão, quase tão antiga quanto a atividade jornalística, ganhou hoje uma dimensão ainda maior por conta da velocidade de circulação das notícias, depois da generalização do uso de ferramentas digitais como blogs, twitter, comunidades virtuais e listas de discussão.
A grande questão é a quantidade de erros registrados em coberturas jornalísticas de acidentes e tragédias, onde os profissionais enfrentam com mais intensidade o clássico dilema entre ser o primeiro ou o mais confiável. Nos sites onde o tempo de edição de cada nota muitas vezes não supera os 60 segundos, este dilema chega a ser dramático.
O problema é que a ecologia informativa da sociedade contemporânea mudou e as redações ainda não conseguiram se dar conta das conseqüências disso na produção de notícias. A cultura da competitividade e a briga pelo ineditismo informativo ainda são demasiadamente fortes entre os profissionais, apesar das possibilidades de “furos” (jargão para notícia dada antes de todos os concorrentes) jornalísticos serem hoje cada vez menores. Não dá para concorrer com milhares de blogueiros espalhados por todos os cantos do mundo.
Todos sabem disso, mas na hora do pega, a prioridade do furo, entranhada no DNA de repórteres e editores, acaba prevalecendo e provoca uma freqüência cada vez maior de erros. Como os equívocos também ganharam muita visibilidade por conta da internet, o dilema furo versus credibilidade deixou de ser uma questão retórica para ser um problema crucial.
A opção furo/credibilidade se torna ainda mais complexa se levarmos em conta que no ambiente informativo digital há uma enorme diversificação de percepções e de dados, complicando extraordinariamente a contextualização de uma notícia. Sem contextualização, uma notícia pode levar os consumidores de informação a interpretações as mais disparatadas.
Bill Keller, editor-chefe do The New York Times, defende que um jornal tem que cumprir os dois objetivos simultaneamente, ser o primeiro e ser confiável. Mas o próprio Editor Público (cargo equivalente no NYT ao de ombudsman) do jornal, Arthur Brisbane, acha que esta é uma meta inalcançável.
Segundo Dan Gillmor, o autor do best seller We The Media (Nós, as mídias) e do recém lançado livro Mediactive (ainda sem tradução em português) aposta na preocupação com a credibilidade mais do que na velocidade, como fator preponderante na conquista de leitores.
Segundo ele, com a avalancha informativa tornou-se utópico querer chegar na frente como política editorial. O furo passou a ser uma exceção em vez de um galardão do bom jornalismo. Hoje, a credibilidade vale muito mais do que o ineditismo, porque os leitores estão confusos diante da sobreoferta noticiosa e tendem a procurar os veículos mais confiáveis como referência.
O argumento tem também uma base concreta irrefutável. O público sempre se lembra mais das “barrigas” (jargão jornalístico para grandes erros) do que dos acertos de um jornal, rádio ou emissora de televisão.
A preocupação com o furo está mais na cabeça dos repórteres e dos executivos do que na do público, para quem um minuto a mais ou a menos na recepção de uma notícia não faz muita diferença, principalmente porque são raras as pessoas que ficam o dia inteiro ligadas no noticiário.
Nessas condições a confiança passou a ser muito mais importante como fator para a escolha da fonte informativa de referência do que o ineditismo. Mas a mudança de parâmetros altera a cultura vigente nas redações e obriga os profissionais a adotar novas rotinas. Gillmor, por exemplo, acha que os jornalistas deveriam deixar bem claro para os leitores os itens da reportagem ou artigo que podem estar mais próximos da verdade e quais os que ainda estão sujeitos a controvérsias. “É mais honesto com o público, o que reforça a confiança no jornal, revista ou telejornal”, diz ele. Só que ainda falta muito para chegarmos a este ponto de sinceridade informativa.
Carlos Castilho / Observatório da Imprensa
Sobre o autor
- Ex-repórter – revista Fatos & Fotos
- Ex-redator internacional – JB
- Ex-editor internacional – Opinião
- Ex-editor telejornais – TV Globo
- Ex-chefe do escritório da TV GLobo em Londres
- Ex-redator – Cadernos do Terceiro do Terceiro Mundo;
- Ex-correspondente latino americano do jornal Público/Lisboa
- Ex-editor internacional do JB;
- Ex-editor associado do The World Paper/ Boston;
- Ex-editor latino-americano da agência IPS – Costa Rica;
- Ex-consultor de advocacy na mídia para a União Européia;
- Professor de Jornalismo Online , Faculdades ASSESC (Florianópolis);
- Professor de Jornalismo Online (curso a distância) no Knight Center, Universidade do Texas;
- Autor do capítulo Webjornalismo no livro No Próximo Bloco – Editora PUC/Rio -2005.
- Autor do prefácio e tradução do livro Jornalismo 2.0, de Mark Briggs, publicado pelo Centro Knight, da Universidade do Texas.
- Co-autor do capítulo Jornalismo na era da produção colaborativa – no livro Jornalismo Online – Modos de Fazer – PUCRJ – 2009
- Mestre e doutorando em Mídia e Conhecimento pelo EGC/UFSC.
-Reside em Florianópolis / SC
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