Artigo de Cleber de Araújo Arantes
Neste mês de Março fazem 47 anos do golpe militar no Brasil e sobre esse período, a memória adquiriu uma descrição simplificada: a ditadura é o reino da exceção, de terror, os chamados anos de chumbo; regidos pela lei e referendada pelas elites, que embora tenha desaparecido gradualmente, em ordem e paz, a ditadura militar foi e tem sido objeto de estudo, por vezes lembrada com escárnio, desprezo, ou indiferença, estabelecendo-se uma ruptura drástica entre o passado e o presente, quando não o silêncio e o esquecimento de um processo, tão recente, e tão importante, de nossa história.
Em suma, parte significativa da sociedade civil organizada, apoiou, mas faz questão de tentar “esquecer esse passado” e teme que ele retorne. Trata-se de um esforço inútil, pois o passado e o presente são inseparáveis. Neste sentido, uma das oportunidades presentes para reconstruir uma parte desse passado concentra-se nas investigações das peças processuais que a ditadura instalou quando acusou pessoas e entidades como subversivas à ordem constituída, houve tortura, mortes e o desaparecimento de milhares de pessoas, que por discordarem do sistema sofreram a conseqüência disso.
Os estudos deste período são peças importantíssimas para essa reconstrução histórica. Além do que, podemos modificar o passado partindo do presente. Portanto o papel do historiador deve ser o mais parecido com a verdade possível, visto que em historia trabalhamos com hipóteses e não devemos incorrer no erro da verdade absoluta. Deve-se sempre perceber a importância do fazer historiográfico para a sociedade no sentido de ampliar o debate sobre questões referentes ao seu passado.
Com o advento do golpe de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, instalou-se no Brasil a mais terrível ditadura da história do país; dona de um arbítrio truculento, essa ditadura com o disfarce de “tutela amistosa” regeu a vida da nação por vinte e um longos anos, onde todos os direitos civis foram suprimidos pelos famosos Atos Institucionais, tempos duros para a democracia e para os intelectuais, que devido ao seu pensamento racional e crítico foram perseguidos, exilados, torturados e mortos pelos detentores do poder onímodo.
O golpe de Estado limitou-se a um movimento das elites políticas e visava a substituição de autoridades, para restabelecer a hegemonia de alianças políticas mais fortes entre a própria classe dominante. Mas o golpe, para uma grande parcela da população, alienada pelo catolicismo e influenciados pelos constantes apelos da Igreja contra o perigo do “comunismo ateu” apoiou e participou de marchas país afora pela restauração desta tal ordem, apoiava, ainda, uma nova estrutura política.
Contudo para os militares e para os defensores desse regime estava-se realizando no Brasil a “revolução”, mas o conceito de revolução a partir da teoria marxista supõe a ação revolucionária como um instrumento de transformação nas relações políticas, sociais e culturais, no ordenamento jurídico-institucional e na estrutura econômica. Historicamente, no plano da ação política, as revoluções se dão com o emprego da violência e alteração de domínio de classe no aparelho de Estado. O fator determinante para que houvesse realmente uma revolução no país é que deveria haver mudanças nos segmentos sociais, econômicos e políticos, quando na verdade só tivemos a mudança de um governo populista por uma ditadura militar. No caso do Brasil, o golpe de Estado, sem as motivações ideológicas de uma revolução, limitou-se a um movimento das elites políticas e visava a substituição de autoridades, para restabelecer a hegemonia de alianças políticas mais fortes entre a própria classe dominante.
A vitória do movimento civil-militar que derrubou João Goulart 1964, praticamente sem resistência, constituiu uma novidade, visto que a reação diante do novo, do inesperado, pode ocasionar uma reação, até mesmo armada; tivemos algumas guerrilhas ditas “urbanas”, porque na maioria dos países que se insurgem contra golpes as guerrilhas que dão bases ás revoluções são camponesas, (quando da reação popular). Mas a postura de Goulart, de ser detestado pela direita e desprezado pela esquerda tornou as pessoas desorganizadas quanto a uma resistência em defesa do mesmo. E é sobre o caráter minoritário da oposição à ditadura no ano de 64 que nos baseamos na teoria do historiador Daniel Aarão Reis Filho: “Poucos, muito poucos, levantaram-se contra ela (a ditadura). De um lado, as organizações da esquerda armada de ilusões, mais do que de armas com seus escassíssimos efetivos (…) De outro, os que resistiram sem recorrer à violência (…).” Este caráter resignado da grande massa deu mais força ainda aos golpistas.
Os conservadores acusavam Jango de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela crise que o Brasil enfrentava. No dia 13 de março de 1964, ele realiza um grande comício na Central do Brasil, onde defende as Reformas de Base, neste plano, Jango prometia mudanças radicais na economia e na educação do país. Prometendo ainda uma profunda e ameaçadora reforma agrária. Assustados com o perigo do socialismo pretendido por Goulart, eles se organizam em manifestações contra as intenções do então presidente; das quais a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo. Entretanto, o golpe militar foi corroborado por importantes setores da sociedade brasileira, governadores de estados, de diversos membros do empresariado, da Igreja católica, grande parte da imprensa, dos latifundiários, que pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a grave crise econômica vivida no período janguista. Preocupado em manter sua hegemonia capitalista nas Américas o governo norte- americano recebeu a notícia do golpe com alívio, exultante em ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha liderada por Che Guevara e os irmãos Castro haviam conseguido tomar o poder, e que estavam em vias de implantar o tão famigerado comunismo na América.
O embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon também foi um grande influenciador do golpe civil-militar, segundo alguns historiadores, havia uma “conspiração” imperialista no Brasil, e que a estratégia bem sucedida da “desestabilização” do regime populista de João Goulart pela ação de uma elite orgânica exercendo seu poder de classe, papel relevante comumente atribuído às Forças Armadas. Surgia então no jogo político formal, forças sociais cujos interesses prevaleceram após março de 1964 e que estavam representadas pelos industriais e setores financeiros, agindo através de entidades como o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto de Ação Democrática (IBAD). Esse complexo teria sido o núcleo ativo desse “golpe de classe”, cujos objetivos seriam, entre outros, restringir a organização das classes trabalhadoras; conter a sindicalização dos trabalhadores rurais e conseqüente mobilização; apoiar as facções de direita dentro da própria Igreja Católica; frear o movimento estudantil e promover o desenvolvimento de interesses multinacionais na formação de um regime elitista, protegido e apoiado pelas Forças Armadas, ou seja, manter o status quo da nova ordem social e econômica.
O complexo apresentado, como o verdadeiro partido da burguesia, o que parece significar a descrença que a elite orgânica nutria pelos partidos políticos, comprometidos com um Estado populista e tradicional. As evidências revelam que a estes organismos restava a incumbência de fazer o “jogo sujo”, da manipulação de recursos de fontes equívocas para financiar campanhas dos candidatos conservadores e “corrupções” de várias dimensões. Analisado pela superficialidade, o golpe de 1964 identificou-se como um movimento político-militar conservador, em oposição às “reformas de base” nacional-populistas e à participação política de setores populares; destarte podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira que se caracterizou pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão ideológica. Os militares justificaram a sua ação afirmando que o objetivo era deter a “ameaça comunista” que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. Uma idéia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como “inimigos internos”, estes procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, chamados pelos militares de “subversivos”. As organizações sociais eram rigidamente controladas ou impedidas de atuar; houve censura à imprensa, às artes, comunicações e as manifestações culturais estavam proibidas. Fortaleceu-se, então, o movimento anticomunista e a repressão ideológica sobre qualquer expressão que não reproduzisse o caráter “patriótico” e capitalista que as elites e as forças armadas exigiam.
Essa visão estava no embasamento da chamada Doutrina de Segurança Nacional e das teorias de “guerra anti-subversiva” ou “anti-revolucionária” ensinadas nas escolas superiores das Forças Armadas. Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a “ameaça comunista”. Com o golpe, se deu início à implantação de um regime marcado por um sistema político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.
Esse tema doloroso, ainda hoje, é assunto de muitas discussões, importantes para compreender e verificar fatores que se refletem a sociedade atual, os problemas surgidos na época e que decisivamente influenciaram na nossa democracia, tais como os reflexos da corrupção e outras atitudes políticas.
Portanto, a ditadura por seu caráter aterrorizador, um sistema degradante de governo, deixou nos anos posteriores o medo e a insegurança. Sua origem obscura marcou a história do Brasil de tal forma que até hoje se constitui em um tema instigante. Atualmente, a sociedade brasileira se pergunta se existe a possibilidade de um novo retorno e se será de proporções tão catastróficas, com o advento da tortura institucionalizada e do Estado como repressor das liberdades políticas e da liberdade de pensamento. Esperamos que não volte…
Professor graduado em História pela UEMS/Amambai, especialista em História do Brasil pelas Faculdades Adventistas e Mestrando em Educação pela UFGD/Dourados