Artigo de Dom Redovino Rizzardo
Há vários anos, logo após a ordenação sacerdotal, presidi os funerais de uma tia, que havia falecido repentinamente. Lembro que, em dado momento, se aproximou de mim uma prima e me disse acabrunhada: «Bem se vê que Deus não quer ver ninguém feliz!»
Jamais consegui esquecer essas palavras! Pode ser que, durante a missa de corpo presente, eu tenha dito, como muita gente ainda hoje costuma fazer: «Paciência! É vontade de Deus!» Naturalmente, tais afirmações só podem machucar a quem está sofrendo. Ao longo dos meus anos de atividade pastoral, foram centenas as vezes que ouvi respostas semelhantes diante de pessoas que choravam a perda de entes queridos – ou de bens indispensáveis para a vida -, devido a assassinatos, enchentes, estiagens, acidentes de trânsito, etc.
Como se isso não bastasse para desfigurar a imagem de Deus, há pessoas que se perguntam diante do sofrimento: «Que pecado eu cometi para merecer esse castigo?». A pergunta não é de hoje, se já os apóstolos a dirigiram a Jesus: «Mestre, quem pecou para esse coitado nascer cego?» (Jo 9,2). Foi o que aconteceu com um padre amigo que, há seis ou sete anos, deixou o ministério sacerdotal. Infelizmente, pouco tempo depois do casamento, celebrado com as devidas dispensas do Vaticano, ele adoeceu gravemente, vindo a falecer. Não foram poucas as pessoas que repetiam ao pé do ouvido umas das outras: «Castigo de Deus!»
Deus não castiga ninguém! Se o fizesse, estaria negando a si próprio. Se existe castigo, ele é fruto das escolhas de cada pessoa: «Cada um colhe aquilo que semeia. Quem semeia no pecado, do pecado colhe a corrupção; quem semeia no Espírito, do Espírito colhe a vida eterna» (Gl 6,7-8).
Infelizmente, uma leitura superficial e fundamentalista da Bíblia pode dar margem a interpretações equivocadas. Eis um exemplo concreto: ouvindo Jesus afirmar: «Nem um só pardal cai por terra sem o consentimento de vosso Pai» (Mt 10,29), os italianos cunharam o provérbio: «Não se move folha que Deus não queira». Talvez seja por isso que alguns deles passam como blasfemadores inveterados: atribuindo tudo a Deus, ele se torna o culpado de todos os males!
Qual é, então, a vontade Deus? Por ser amor, ele só pode querer o bem e a felicidade de seus filhos. Jamais pactua com a maldade. Tudo o que é fruto do pecado – guerras, homicídios, estupros, roubos, acidentes de trânsito por excesso de bebida ou de velocidade, etc. – não é vontade de Deus, mas expressão de uma liberdade humana mal direcionada. A vontade de Deus é que, em cada momento e circunstância, escolhamos somente o amor, tendo sempre em vista a construção de um mundo justo e solidário.
Quanto aos males assim ditos “naturais” (enchentes, estiagens, terremotos, vulcões, aquecimento global, etc.), alguns são causados pela ambição ou pelo descuido do homem, e outros pelas leis que regem a acomodação e o ajuste da natureza e do planeta. Mas, também nesses casos, para quem se deixa guiar pela fé e pelo amor, Deus é capaz de obter o bem do próprio mal. Foi o que explicou Jesus a quem atribuía a cegueira ao pecado: «Nem ele nem seus pais pecaram, mas ela é uma ocasião para se manifestarem as obras de Deus» (Jo 9,3).
“Manifestar as obras de Deus”: este o fio de ouro capaz de dar sentido a todos os erros e sofrimentos que maculam a história da humanidade. Quem acolhe Deus em sua vida, encontrará a sua vontade até mesmo em circunstâncias que nada têm em comum com ela. Isso acontece quando ele consegue “digerir” situações dolorosas e, às vezes, até mesmo injustas, oferecendo-as a Deus pelo bem da sociedade. Para quem acredita que «tudo coopera para o bem dos que amam a Deus» (Rm 8,28), o acaso não existe e nada na vida acontece em vão, pois sabe que, sobre cada evento natural ou produzido pelo homem, paira o olhar misericordioso do Pai.
Deus sempre atende à oração de seus filhos, não, porém, de acordo com suas vontades, mas de suas necessidades. É o que a Carta aos Hebreus garante que aconteceu com o próprio Jesus: «Durante a sua vida na terra, Jesus dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, ao Deus que o podia salvar da morte. E Deus o escutou, por sua obediência, tornando-o fonte de salvação eterna para todos os que fazem a sua vontade» (Hb 5,7.9).