19/08/2011 07h41 – Atualizado em 19/08/2011 07h41
Artigo de Alessandra Lescano Tavares
Nesta sexta-feira, 19, é comemorado o Dia do Teatro. E nada mais justo que uma atriz conte sua história e experiências diante dessa arte tão bela e tão pouco valorizada no Brasil. O Amambai Notícias convidou a atriz Alessandra Tavares para falar sobre sua profissão.
Eu não me lembro exatamente quando me despertou esta vontade em ser artista, mas me lembro que desde criança gostava de imitar as pessoas, até mesmo da família, o jeito de andar, de falar… e tudo com emoção. Eu ficava curiosa com as novelas, filmes e programas na televisão. O Teatro começou a me interessar muito na Escola, no ginásio ainda mais, com as aulas de interpretação de texto com a Professora Roseli, na Escola Fernando.
Eu não sei se é dom, mas no meu caso eu acredito que o desejo de interpretar esta no sangue, embora possa se manifestar mais cedo ou mais tarde em cada artista. No entanto, precisa ser burilado, pois é necessária muita disciplina, estudo, e perseverança.
É um barato poder atuar, contracenar, desenvolver um personagem. Hoje tenho 28 anos, e estou certa de que quero fazer isto para o resto da minha vida. Sou aquele tipo de atriz, e agora diretora (Estou dirigindo quatro espetáculos com os alunos da Oficina de Teatro de Amambai) que fica o processo todo de construção do personagem, procurando a profundidade e o frescor de um texto.
Nunca acho que esta pronto, nunca faço o personagem mecânico ou tecnicamente, nunca alcancei a certeza de um trabalho acabado. Sempre estou duvidando e pesquisando e isto é uma loucura! No teatro, se um ator desejar e o diretor for inteligente, o aprendizado esta sempre em desenvolvimento. Na verdade não existe esta ou aquela maneira de fazer corretamente, quando se esta no palco a emoção é tão grande que fazemos a nossa arte, que é espalhar emoção. Sou uma atriz intuitiva, intempestiva, emocional, que estudou para aprender algumas técnicas para conseguir domar tamanha emoção, para que não me sufocassem a ponto de sucumbir a elas, a ponto de perder o fôlego, o raciocínio, a voz, a noção do outro em cena, para continuar artista, sem morrer no palco ainda muito jovem.
Agora dirigindo, creio que sou muito mais uma transmissora de experiências do que encenadora. Sempre tenho o impulso de passar adiante aquilo que aprendi. Há um milhão de maneiras de se dizer a mesma frase, a mesma palavra, de se contar a mesma historia. Você pode experimentar todas durante uma temporada teatral, desde que com respeito a historia, a direção, e principalmente com os colegas de palco.
Depois de muitos testes e espetáculos amadores… Chegou à vez dos testes e espetáculos profissionais, ser uma jovem atriz que não esta na televisão, no Brasil, certamente para muitas pessoas é uma escolha de um caminho incerto e instável. Ser artista é difícil, no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Desde os primeiros personagens, tive a sorte extraordinária de ser escalada para ser protagonista, para mim sempre é uma honrra, um orgulho. Tendo esta personalidade de protagonista, sofre-se um pouco, mas também tive acesso a muitas alegrias. Não me considero nenhum pouco, uma pessoa, ou uma artista egoísta. O ego precisa ser sacrificado muitas vezes para aprender a brilhar dividindo o espaço. Amo mais a arte em mim, do que eu mesma na arte.
O melhor é ter consciência de que estamos vivendo um mundo em que a competição é furiosa e que os artistas também estão expostos a este tipo de barbárie, e cabe a nós tentar melhorar a grosseria reinante com inteligência, conhecimento, doçura e paciência. Eu aprendi a produzir correr atrás de patrocínios e contatos, ouvir não, escrever os meus textos, montar minha equipe, colocar meu caminho no teatro, que é minha arte primordial e onde mais como artista eu aprendo. Minha formação também é em televisão e cinema, também temos de trabalhar em diferentes áreas criativas, aprender, ganhar dinheiro, e assim montar outras coisas. Apesar de todas as incertezas e dificuldades, ser atriz, ou artista do teatro, é o meu motor, minha prioridade máxima, minha vida, cada passo em direção ao palco, é um ato. É o que escolhi para a minha vida, ganhando, perdendo, aprendendo, amando, lutando.
Ser artista, aqui no Brasil, é ouvir muitos nãos com um sorriso no rosto, é estudar constantemente e continuar ignorante, é muitas vezes ter emprego, ao invés de trabalho, e ao mesmo tempo, junto a tudo isto ter um elenco de referencias, verdadeiros guerreiros, em cada uma das classes artísticas: no teatro, na música, no circo, na poesia, na dança, nas artes plásticas, no cinema e na televisão.
A impressão que eu tenho é que quem tenta ser um verdadeiro artista, o faz por algo muito semelhante à fé, por pura devoção e intusiasmo, por esta sensação de forte emoção e alegria cada vez que nos encontramos com a poesia destes ofícios que trabalhamos, para alcançar o outro em um gesto, em uma palavra, em um silêncio e principalmente por uma crença que não cala, de que o mundo poderá ir mais longe, as pessoas poderão ver mais além. Ser artista hoje para mim é sonhar em ver a verdade acontecer, é querer vida melhor neste planeta, mais beleza de pensamento ou simplesmente pensamento.
O meu tempo é de recriar, expandir a arte do teatro, e quem sabe formar futuros artistas, ou pelo menos ajudar a estimular estes talentos na minha cidade. Depois, sinceramente? Não sei! Precisamos inventar nossa existência, forçar nossa presença, pois ela não esta sendo exigida, precisamos estar invariavelmente, nos lembrando e a sociedade e ao estado da importância do que fazemos. Estarei sempre nesta luta.
Termino este artigo que fiz sempre na primeira pessoa, pois é a voz de uma artista quem esta dizendo, citando um trecho do texto O Mambembe, de Arthur Azevedo, que é dito pelo personagem Frazão:
“E levo esta vida há trinta anos! Pedindo hoje… Pagando amanhã… Tornando a pagar… Sacando sobre o futuro… Contando com o incerto… Com o gasto do ganho… Com as alternativas da fortuna… Sempre de boa fé, e sempre receoso de que duvidem de mim, por que sou ator, e ser ator vem condenado de longe. Mas por que persisto? Por que não fujo de levar meus personagens as costas? Perguntem as mariposas por que se queimam a luz… Perguntem aos cães por que não fogem quando avistam a carrocinha da prefeitura, mas não perguntem a um artista do teatro por que não é outra coisa se não artista do teatro… Isto é uma fatalidade que nos condena o nosso próprio temperamento. O jogador é infeliz por que joga? O fraco bebedor por que bebe?… Também isto é um vício terrível por que ninguém considera vicio e, por tanto é confiscável, não é uma vergonha, é uma profissão, uma profissão que absorve toda a atividade… Toda a energia… Todas as forças, e para quê? Qual o resultado de todo este afã? Chegar desamparado e paupérrimo a uma velhice cansada? Isto é ser artista no Brasil.”
- Alessandra é atriz e professora de teatro em Amambai