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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

É possível viver o Evangelho?

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07/09/2011 11h11 – Atualizado em 07/09/2011 11h11

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

“Vou embora depois de ter combatido para reformar a Igreja, mas agora estou convencido de que a Igreja é irreformável”, me disse um velho monge”, narra prior do Mosteiro de Bose, na Itália.

E continua: “Somos capazes de dar à Igreja um novo rosto, mais fiel e conforme ao rosto de Cristo, ou essa é só uma esperança, e a esposa de Cristo só será tal quando o Esposo vier”.

O artigo é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, em artigo publicado na revista italiana Jesus, de setembro de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

“É possível viver o Evangelho?”. Quem, como eu, tem uma certa idade, já tendo atravessado as várias estações da vida e tendo chegado à última, reconhece que essa pergunta recebeu e continua recebendo respostas diferentes.

Houve uma época, que, para a minha geração, coincidiu com a juventude, em que as expectativas, esperanças, as fortes convicções típicas do tempo em que os jovens se deparam com a vida e nela entram, eram convergentes com as esperanças da Igreja e do mundo. Eram os anos do degelo entre o Ocidente e o Oriente comunista, os anos em que se retomava um diálogo interrompido há muito tempo, e a primavera parecia ser a metáfora mais apropriada para definir aquela época em que muitas realidades pareciam brotar, e algumas, desabrochar.

Isso também ocorria na Igreja: um papa que aparecia sobretudo como um cristão; um Concílio por ele desejado em que nos ouvíamos, nos confrontávamos também asperamente, mas com a paixão da fidelidade ao Senhor; um debate entre indivíduos cristãos e entre comunidades cristãs que sentiam, no seu cotidiano, a necessidade de mudança, de renovação, poderíamos dizer também de conversão. Respirava-se no ar uma novidade que não era a chegada de uma “moda”, mas sim um retorno ao Evangelho, à forma vitae da Igreja primitiva.

Por isso, falava-se, com muito temor, de aggiornamento; alguns até se atreviam a falar de reforma da vida da Igreja. Para os cristãos, com uma certa consciência, era o Evangelho que se tornava uma presença dinâmica, uma referência, um princípio que era invocado como uma urgência, uma realidade a ser vivida concretamente e, ousaria dizer, visivelmente: não por “ostentação diante dos homens”, mas para verificar se o Evangelho inspirava verdadeiramente a vida de muitos cristãos e era assumido pela Igreja como presença hegemônica. Nesse caminho, cunhavam-se palavras e expressões novas: retorno às fontes, redescoberta da Igreja dos Padres, inspiração à comunidade apostólica, autoridade da Igreja indivisa.

Alguns, hoje, analisando essa época, concluem que, na Igreja, havia se instaurado um mito – o mito de uma idade dourado, o mito das origens – e que isso se devia principalmente a Erasmo de Roterdã, que, no início do século XVI, moldou um certo vocabulário e uma certa filosofia da reforma eclesial. Na verdade, quem conhece mais profundamente a história da Igreja sabe que, na própria história do cristianismo, essa nostalgia das origens é inerente. Ou melhor, poderíamos dizer que ainda no Antigo Testamento os profetas, a partir de Oseias, recordavam ao povo do Senhor a necessidade de voltar aos tempos do engajamento, aos tempos do deserto, marcados pela fidelidade e pelo amor (cf. Os 2, 16-25): aquele amor que sabe cantar a convicção forte e a grande esperança em que não parece não haver lugar para o cansaço nem para a frustração, a desilusão, a medida da própria fraqueza.

Quando, diante da igreja constantiniana que surgiu no século IV, ocorreu o protesto do monasticismo e a sua fuga para o deserto, os padres monásticos pediram que se voltasse à koinonia, à comunidade descrita por Lucas nos chamados “resumos” dos Atos dos Apóstolos (cf. Atos 2, 42-47; 4, 32-35). Retorno às fontes, portanto.

Em seguida, cada tradição alcançará sempre aquela forma da Igreja primitiva: isso acontecerá com as várias tentativas de reforma, da de Cluny à de Bernardo de Claraval, aos movimentos mendicantes e também aos heréticos, todas destinados a retomar a prática de quem “nu segue o Cristo nu”.

Mito da reforma? Ou capacidade do Evangelho de ser um fogo que continua ardendo debaixo das cinzas, que continua sendo brasa incandescente, que sempre pode dar origem a um arbusto ardente? “O Evangelho é ‘dýnamis’, poder de Deus” (Rom 1,16), diz o apóstolo Paulo! Pode ser desmentido, silenciado, tornado ineficaz, pode até ser contrariado e pervertido, e então parece permanecer inerte sob as cinzas. Mas depois volta a arder, porque é um fogo que logo renasce assim que um cristão joga sobre as cinzas algum graveto do seu viver, em busca da luz e da presença divina.

Não se pode silenciar o Evangelho para sempre: por algum tempo, sim, e a história da Igreja o testemunha; mas, depois, basta que um homem ou uma mulher, em busca de luz verdadeira e de fogo que consome, tenha a coragem de remover um pouco de cinzas e de jogar uma braçada de lenha seca, que logo o fogo e a luz se fazem ver novamente.

Já velho, perto da morte, um grande espiritual italiano confiou a mim e um irmão meu: “Vou embora depois de ter combatido para reformar a Igreja, mas agora estou convencido de que a Igreja é irreformável”. Essas palavras me pasmaram, me fizeram mal, mas não nego que agora, às vezes, sou tentado a compartilhá-la. Somos capazes de dar à Igreja um novo rosto, mais fiel e conforme ao rosto de Cristo, ou essa é só uma esperança, e a esposa de Cristo só será tal quando o Esposo vier?

Obstino-me a acreditar que, às brasas do Evangelho, basta o sopro do Espírito para voltar a queimar, reaquecendo os nossos corações e iluminando a humanidade inteira. Sim, o Evangelho ainda pode ser vivido em todas as épocas.

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