09/11/2011 15h09 – Atualizado em 09/11/2011 15h09
Por Luciano Martins Costa / Observatório da Imprensa
A crise na Universidade de São Paulo acaba de ganhar certos ingredientes que podem transformá-la em uma grande dor de cabeça para o governador Geraldo Alckmin. A releitura dos fatos, conforme foram publicados pela imprensa paulista na última semana, dá uma idéia bem mais clara do problema do que o primeiro olhar sobre as reportagens, feito no calor do dia.
Aparentemente, o atual entrevero tem origem nos protestos contra a detenção de três alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, que degeneraram em um confronto aberto entre policiais e estudantes.
Essa a versão que oferece a imprensa. Mas há outros aspectos a serem observados.
A presença da Polícia Militar no campus da USP foi definida após o assassinato do estudante de economia Felipe Ramos de Paiva, morto por um assaltante no dia 18 de maio.
Mas, aparentemente, não houve um treinamento específico da Polícia Militar para lidar com jovens universitários: há muitas semanas vinham circulando nas redes sociais queixas de estudantes sobre abordagens inapropriadas, tratamento desrespeitoso e até provocações por parte de policiais.
Na semana passada, três estudantes que esperavam condução foram cercados por policiais, submetidos a revista e tratados como suspeitos. Postaram no Facebook suas queixas contra a humilhação.
O relato da insegurança na região é longo, e no período anterior ao assassinato de Felipe Ramos de Paiva haviam sido denunciados alguns ataques a alunas, com o registro de estupros, e representantes das entidades de funcionários, alunos e professores pediam mais segurança.
Mas os problemas são ainda mais antigos. Algumas medidas administrativas restringindo o acesso ao campus nos finais de semana eram criticadas e em 2007 chegaram a ocorrer manifestações e uma longa ocupação da sede da reitoria, que resultou em mais liberdade de circulação e abertura das cantinas durante os fins de semana.
A presença da polícia sempre foi causadora de conflitos, com acusações de uso exagerado de violência contra piquetes, como aconteceu em 2009.
Por outro lado, o serviço terceirizado de segurança sempre foi considerado insuficiente e inadequado. Em dezembro do ano passado, por exemplo, o estudante Samuel de Souza passou mal e morreu na Praça do Relógio Solar, e os vigilantes foram acusados de omissão de socorro.
Fugindo do assunto
Os jornais não juntam esses fragmentos de fatos que revelam uma longa e persistente crise na maior universidade do país.
Como pano de fundo, a imprensa considera que algumas mobilizações têm caráter eleitoral, uma vez que se aproximam as eleições para o Diretório Central dos Estudantes, marcadas para os dias 22, 23 e 24 deste mês.
Evidentemente, grupos minoritários que protagonizaram os últimos acontecimentos ganham visibilidade na disputa, que também tem repercussão fora do campus, pela vinculação de algumas lideranças com partidos políticos.
Mas a insistência dos jornais em relacionar o descontentamento dos estudantes com a repressão ao uso de maconha esconde o mais importante: o regimento disciplinar da USP está defasado, o governo do Estado não sabe como lidar com a autonomia universitária e, definitivamente, a Polícia Militar não tem o preparo adequado para conviver com estudantes, com jovens em geral.
A operação de reintegração de posse da reitoria ocupada, feita pela tropa de choque da PM, foi relatada pela imprensa tradicional nesta quarta-feira, dia 9, como uma ação organizada, pacífica e cuidadosa.
Não foi nem poderia ter sido: a tropa de choque é treinada para intimidar, agredir e desagregar grupos.
A declaração do novo comandante, reproduzida pelo Estado de S. Paulo, revela o espírito da corporação: “A tropa foi vencedora”, disse o bravo militar.
Sobre a manifestação do secretário da Segurança de que não houve excessos, há controvérsia: a estudante Shayane Metri, do Jornal do Campus, testemunhou a operação de reintegração de posse na reitoria e faz um relato muito diferente daquele que é apresentado pela imprensa nesta quarta-feira.
Seu testemunho ajuda a entender como os preconceitos de lado a lado ajudam a construir e agravar uma crise.
Outra fonte alternativa é o blog de Leonardo Barone, mestrando na USP e professor numa universidade particular.
Sobre as origens da crise na universidade, ler também o blog da urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e consultora da ONU.
A decretação da greve por parte dos estudantes deve ganhar a adesão de professores e funcionários, paralisando a universidade pelo resto do ano.
Enquanto isso, a insegurança continua, porque os policiais circulam apenas nas principais ruas da cidade universitária, ficam postados em frente à biblioteca e raramente são vistos nos lugares onde costumam ocorrer assaltos.
O noticiário dos jornais vai agora se concentrar na cobertura da greve, e mais uma vez os problemas crônicos da universidade vão ficar no escuro.