20/11/2011 15h51 – Atualizado em 20/11/2011 15h51
Por Caroline Maldonado
Fico satisfeita ao ver que alguns jornais do estado de Mato Grosso do Sul, deram devida atenção ao fato ocorrido no acampamento Guaiviry, no município de Aral Moreira, que sofreu ataque de pistoleiros fortemente armados. Foi morto o cacique Nísio Gomes, 59 anos, enquanto outras pessoas ficaram feridas. Porém, é preocupante que tenham sido poucos os veículos que assim procederam. Inclusive, quando foi denunciado que os pistoleiros estavam na área, já coagindo as famílias indígenas, há alguns dias, houve veículos que pouco se importaram em apurar os fatos.
Observo também, e aí é algo que muito me entristece, que muitos jornais citam o assassinato como “suposto”, colocam o fato de tamanha violência contra aquelas famílias, como um fato que “teria” acontecido. Esses termos são muito frequentes nas notícias em todo o estado, pelo que percebemos. Isto, enquanto os termos propostos e ditos por não indígenas são fielmente redigidos, tais como “os índios invadiram”, “não houve matança de índios”.
No caso de não se ter certeza ou confirmação de se houveram, de fato, assassinatos, utiliza-se a expressão “teria sido assassinado”. Isto eu compreendo. E se a certeza for considerada apenas a partir de fontes oficiais, ela demora a chegar, quando chega, embora sejam muitos estes casos em MS. Porém, não vejo os jornalistas utilizarem o termo “teria” para as falas contrárias a devolução ou retomada (duas palavras pouco utilizadas, alternativas para “invasão”) das terras indígenas. Note que quando as falas não são de indígenas se utiliza: “a Funai disse que os índios invadiram…”, “a polícia informou que os índios fizeram reféns…”. São usados verbos que dão tom de verdade, de algo já confirmado, já apurado. É assim que o leitor ou espectador percebe.
Fontes como o Kaiowá, Tonico Benites (que enviou em primeira mão a denúncia), doutorando em Antropologia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consultor de educação indígena do Ministério da Educação (MEC) e membro da Aty Guasu (Assembleia dos Guarani) não são tão legítimas e confiáveis quanto as fontes oficiais, como Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia? Por que? Por que não são consideradas a ponto de que se afirme no texto noticioso: “segundo o indígena aconteceu, houve…”? Por que o uso de “teria acontecido”? Este “teria”, que venho observando é muito grave, porque leva a sociedade não indígena a pensar que isso de fato “teria” acontecido, enquanto isto, na verdade, aconteceu. E, quando visitamos os acampamentos, podemos sentir o tom de verdade nas falas emocionantes e entristecedoras desses indígenas, dessas famílias, que são pessoas como nós, que são famílias como as nossas.
Sempre no curso universitário, aprendemos a ouvir também o “seu João”, a “dona Maria”, para humanizar a matéria, para não cair no hábito das fontes oficiais que tornaria o Jornalismo em porta voz destes órgãos. Jamais, gostaríamos que nós, jornalistas, fossemos vistos assim, não é verdade?
Acredito que a rotina das redações, em muitos casos, impede o jornalista de ir, pessoalmente, apurar os fatos. Isto acontece em todos os assuntos, sejam questões indígenas ou não. Esta é uma grande dificuldade, que temos que considerar antes de pensar em criticar o trabalho dos jornalistas. Também, devemos considerar que muitos não são contra os índios, não produzem assim por malícia, apenas desconhecem a realidade desses povos. Porém, se não temos as condições necessárias para colocar um tênis velho, que pode ficar vermelho de terra ou de sangue, no caminho dos acampamentos indígenas, à procura da informação precisa e devidamente apurada, pelo menos vamos abandonar o “teria”, digitado inúmeras vezes sob o ar condicionado das redações.
Vamos abandonar os termos que reforçam estereótipos sobre as famílias, as crianças, os jovens, os idosos indígenas. Isto tem levado pessoas, que confiam, que ouvem, que leem, que assistem nosso trabalho a pensar muito mal dos índios e tratá-los como “bichos”, bem como relatou um indígena, no acampamento Y Po’i, em Paranhos, na oportunidade da visita do secretario Nacional de Articulação Social da Presidência da República, Paulo Maldos, em outubro deste ano.
Não vamos decepcionar nossos mestres! Vamos ouvir, o “seu João”, a dona “Maria”, ainda que por telefone. Vamos ouvir o “seu Nísio”, antes que calem sua voz, nos impedindo de fazer nossas atividades mais nobres, enquanto jornalistas: ouvir e relatar a muitos!
Caroline Maldonado é graduada em Comunicação Social (Jornalismo) e assessora do Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas (Neppi).