15/05/2012 15h59 – Atualizado em 15/05/2012 15h59
Fonte: Diocese de Dourados
No dia 2 de abril, segunda-feira depois do Domingo de Ramos, pude verificar, mais uma vez, a quantas anda a cultura religiosa de pessoas que, por terem frequentado universidades, se esperaria que conseguissem evitar certos tropeços. Num site de Campo Grande, li esta manchete: «Para lembrar a data em que Cristo foi coroado Rei, igrejas católicas recebem fiéis com ramos». No artigo, a repórter afirma que «a data é uma das mais importantes do calendário católico, já que relembra a passagem de Jesus pelo Monte Sinai e a sua ressurreição no domingo pascal».
A confusão parece acima da média: «Uma das datas mais importantes»: pelo que sei, para a Igreja Católica, elas são Natal, Páscoa e Pentecostes. «Coroado Rei»: a única vez que isso se simulou fazer foi na sexta-feira seguinte, por zombaria dos soldados romanos. «A passagem de Jesus pelo Monte Sinai»: nunca ouvi dizer que Jesus tenha subido essa montanha.
No mesmo dia, num artigo publicado por um advogado num jornal de Dourados, percebi o tamanho das dificuldades de quem não conseguiu aprofundar a própria fé: «Existem narrativas nos versículos sagrados que fazem da bíblia, nestes tempos modernos, inimiga declarada da ciência. Não acredito ter o profeta Elias subido aos céus num carro de fogo. Ou num dilúvio no local mais árido do planeta, como resultado dos chuvosos quarenta dias e quarenta noites, mesmo porque, especialistas em estações climáticas, negam tal aguaceiro. Rejeito a arca do Noé, abarrotada de animais selvagens. Não creio nas cidades de Sodoma e Gomorra, incendiadas pelas chamas do céu. Menos ainda na mulher de Ló transformada em estátua de sal».
Se eu pudesse me encontrar com o ilustre homem das leis, dir-lhe-ia: «Não fique na casca; busque o miolo!». Mas, vamos por passos e sigamos seu raciocínio: «Caso os cientistas descubram vidas em outros planetas, como desculparemos os erros bíblicos? Então os conspícuos clérigos terão que corrigir aqueles famosos empedrados dez mandamentos entregues ao israelita Moisés no alto do Sinai, região montanhosa da Palestina, onde, supostamente, ele perambulou quarenta anos no deserto, procurando Canaã».
Tenho por mim que a maior parte das objeções apresentadas por quem não consegue conciliar fé e ciência nasça de uma formação religiosa que parou no tempo. Penso que ninguém, na Igreja Católica, espera encontrar na Bíblia um manual de ciências naturais ou de história geral, se já, em seu tempo, Galileu declarava: «A Bíblia não ensina como foi criado o céu, mas como se vai para lá!». Ela é “somente” Palavra – que se torna Presença – de um Deus que caminha lado a lado com seus filhos para fazê-los protagonistas de uma evolução que atingirá o seu ápice «quando Cristo entregar o Reino ao Pai, para que ele seja tudo em todos» (1Cor 15,24.28).
Pode ser que alguns cristãos acabem ateus ou agnósticos porque nós, padres e bispos, «lhes oferecemos leite, ao invés de alimento sólido» (1Cor 3,2), pretendendo responder a suas dúvidas e angústias com respostas medievais. Mais frequentemente, porém, eles perdem a fé porque, ao mesmo tempo em que se especializam em todos os campos do saber, quanto à cultura religiosa não vão além das poucas noções aprendidas quando crianças, ou seja, totalmente insuficientes para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais secularizado.
Numa entrevista concedida ao jornalista Peter Seewald, em 2010, Bento XVI dizia: «Hoje, o ser humano julga poder tudo o que antes havia esperado somente de Deus. Para ele, as coisas da fé são arcaicas e míticas, próprias de uma cultura superada. Já não busca o mistério, o divino, mas está seguro de que, um dia, a ciência explicará tudo o que ainda não entende. É só uma questão de tempo!».
Para fazer frente a essa descristinianização – continua o Pontífice – «a religiosidade deve regenerar-se e encontrar novas formas de expressão e compreensão. Precisa-se de uma nova evangelização, onde o Evangelho seja anunciado em sua racionalidade grandiosa e imutável. O progresso aumentou as potencialidades do ser humano, mas não a sua grandeza e força moral. Os grandes sofrimentos que afetam o nosso tempo nos fazem entender cada vez mais a necessidade de um equilíbrio interior e de um crescimento espiritual».