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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Nota de repúdio em relação à decisão do STJ sobre abuso sexual

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27/05/2012 16h01 – Atualizado em 27/05/2012 16h01

Nota de repúdio do CNPG em relação à decisão do STJ sobre abuso sexual de crianças e adolescentes

Por Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público Brasileiro dos Estados e da União – CNPG

Os integrantes do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público Brasileiro dos Estados e da União – CNPG, diante da perplexidade e consternação causadas em todo o País pela recente decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça – STJ, que absolveu o autor do estupro de 03 (três) adolescentes de apenas 12 (doze) anos de idade, sob o argumento de que estas já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data, abrindo perigoso precedente que pode servir de estímulo ao abuso e à exploração sexual de adolescentes – e mesmo crianças – em todo o Brasil, vêm manifestar seu mais veemente repúdioao mencionado julgado, entendendo oportuno destacar os seguintes aspectos:

1 – A referida decisão é manifestamente ilegal e inconstitucional, posto que afronta as mais elementares normas e princípios instituídos pelo ordenamento jurídico brasileiro, com respaldo na normativa internacional, no sentido da proteção integral às crianças e adolescentes, prometida pelo art. 1º, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e reproduzida pelo art. 100, par. único, inc. II, do mesmo Diploma Legal, que por ser decorrente do comando supremo emanado do art. 227, caput, da Constituição Federal,serve de verdadeiro norte interpretativo a toda e qualquer intervenção estatal em matéria de infância e juventude, inclusive no que diz respeito à interpretação e aplicação das normas penais relativas a crimes contra crianças e adolescentes;

2 – Por força do disposto no art. 227, da Constituição Federal, assim como dos arts. 4º, caput, 5º, 17, 70, 98 e 100, par. único, da Lei nº 8.069/90, é dever de todos – e em especial, é claro, do Poder Judiciário -, salvaguardar os direitos ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes, independentemente de sua conduta ou condição socioeconômica, colocando-asà salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

3 – Já não bastasse a clareza do citado texto constitucional, o art. 227,§ 4º, da mesma Carta Magna, ainda dispõe de maneira expressa que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente, sendo absolutamente irrelevante, para incidência deste comando constitucional, a conduta das vítimas, que por sua incapacidade e vulnerabilidade inerentes, não podem ser responsabilizadas pelo abuso, violação ou exploração sexual sofridas;

4 – Por serem decorrentes do disposto no art. 227, caput e § 4º, da Constituição Federal, como forma de resguardar, acima de tudo, o princípio da dignidade da pessoa humana, as normas instituídas no sentido da responsabilização penal dos agentes que praticam violência, abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes não admitem juízo de valor acerca da conduta das vítimas, pois foram instituídas sem qualquer restrição ou condicionante, independentemente da conduta ou condição pessoal destas, que não podem ser julgadas no lugar de seus algozes;

5 – Se todas as crianças e adolescentes são titulares dos direitos ao respeito e à dignidade, se o Poder Público, por todas as suas esferas, tem o dever de coibir – e punir severamente – qualquer forma de violência, abuso ou exploração sexual contra essas pessoas em desenvolvimento, e se é vedado, tanto pela lei quanto pela Constituição Federal, qualquer tratamento preconceituoso ou discriminatórioem relação a esta categoria de cidadãos, não resta a menor dúvida que não cabe ao intérprete decidir se determinada criança ou adolescente, em razão de sua condição pessoal, merece ou não receber do Estado-Juiz a proteção integral que o ordenamento jurídico lhe promete;

6 – Crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso ou exploração sexual, independentemente de sua conduta presente ou pretérita, não podem ser tratadas de forma preconceituosa e/ou discriminatória, sendo absolutamente equivocado – e contra legem – submeter crianças ou adolescentes vítimas de crimes de natureza sexual a qualquer censura moral quanto à sua conduta, como se fossem elas próprias as responsáveis pela violação sofrida, posto que não podem ser equiparadas a pessoas adultas que, presumivelmente, já concluíram seu processo de desenvolvimento[1].

7 – Se já não bastasse tudo o que foi dito, é preciso ter em mente que, em razão da incidência cada vez maior de casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescente, houve um recrudescimento das normas penais aplicáveis, com a introdução do art. 217-A ao Código Penal, que considera crime de estupro de vulnerável a prática de qualquer ato libidinoso contra pessoas de idade inferior a 14 (quatorze) anos, independentemente de seu consentimento ou conduta, justamente para evitar seja esta colocada em julgamento, quando da prática de crimes semelhantes;

8 – A referida iniciativa legislativa deixa clara a intenção do legislador, em resposta ao comando do mencionado art. 227, § 4º, da Constituição Federal e demais dispositivos estatutários correlatos citados, de penalizar todos aqueles agentes responsáveis pelas mais diversas modalidades de abuso ou exploração sexual, evitando que impunidade aos autores de semelhantes condutas sirva de estímulo à sua proliferação;

9 – De qualquer modo, o tipo penal violado, deve ser interpretado e aplicado no sentido da proteção de todas as crianças e adolescentes vítimas de violência ou abuso sexual, seja qual for sua condição pessoal, familiar e social, não cabendo ao intérprete restringir seu alcance e, muito menos, usar de uma postura preconceituosa e discriminatória para com aqueles que são os principais destinatários da tutela estatal proporcionada pela norma que, por se encontrarem em condição de maior vulnerabilidade pessoal, familiar e social, necessitam de seu comando normativo (a proibição a toda e qualquer forma de abuso ou exploração sexual infanto-juvenil, tal qual preconizado pelo art. 227, § 4º, da Constituição Federal) mais do que ninguém, não podendo ser julgadas no lugar do criminoso – e muito menos discriminadas por quem tem o dever legal e constitucionalde, salvaguardar seus direitos fundamentais com a mais absoluta prioridade;

10 – Pensar de forma diversa, além de desconsiderar todas as referidas normas e princípios, inclusive de cunho interpretativo, inerentes ao Direito da Criança e do Adolescente, acaba por inviabilizar, na prática, a repressão estatal a este tipo de conduta, dando margem para que seja a vítima, e não o agente, a ser julgada e ter sua conduta recriminada, numa paradoxal inversão de papéis, valores e propósitos, que discrimina e penaliza quem deveria ser protegido e, na prática, cria uma espécie de autorização judicial para o abuso sexual infanto-juvenil de forma aberta e indiscriminada, de forma absolutamente contrária à lei e à Constituição Federal. Não bastasse isto, a absolvição dos autores de abuso sexual contra adolescentes de tão tenra idade acaba por condenar as vítimas ao abandono e à perpetuação da condição degradante em que as mesmas se encontram, com todos os prejuízos de ordem moral, emocional, médica e psicológica que tal situação acarreta, que como visto é dever de todos, inclusive (e em especial) do Poder Judiciário, evitar venham a se caracterizar ou agravar.

Diante de tal quadro, o CNPG não tem dúvida que a referida decisão do STJ, que contraria a Lei nº 8.069/90, a Constituição Federal e viola as mais elementares normas e princípios legais, constitucionais e de Direito internacional aplicáveis, será integralmente reformadapelo E. Supremo Tribunal Federal, que saberá dar ao tipo penal violado a interpretação correta que a norma reclama, em respeito ao disposto no art. 227, § 4º, da Constituição Federal, aos princípios da proteção integral e da dignidade da pessoa humana e a toda sistemática instituída pela Lei nº 8.069/90 com vista à proteção integral infanto-juvenil, de modo que estes seres em processo de desenvolvimento sejam colocados a salvo de tais práticas degradantes não por serem ingênuos, puros ou de boa fama, mas pelo simples e único fato de serem crianças e adolescentes.

Está igualmente convicto que o E. Superior Tribunal de Justiça, sabendo honrar seu título de Tribunal da Cidadania, também irá rever seu posicionamento acerca da matéria, fazendo com que esta decisão se torne, como de rigor, um julgado isolado, que será em breve sobrepujado por maciça jurisprudência em contrário daquela respeitável Corte, comprometida que está, por vocação institucional e dever constitucional, com a construção da cidadania de todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua condição pessoal, familiar e social.

Por fim, reafirma o compromisso do Ministério Público Brasileiro com a luta pela responsabilização criminalde todos os autores de abuso, exploração ou outras formas de violência sexual contra crianças e adolescentes, assim como com a busca da elaboração e implementação de políticas públicas destinadas à prevenção e ao atendimento das vítimas de tais crimes odiosos e suas respectivas famílias.

Belo Horizonte, 30 de março de 2012.

Relator Olympio de Sá Sotto Maior Neto
Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná

[1]E nem por isto, vale dizer, devem ser também tratadas com preconceito ou discriminação.

Nota de repúdio em relação à decisão do STJ sobre abuso sexual

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