31/07/2012 09h08 – Atualizado em 31/07/2012 09h08
Artigo de Vitor Hugo Rinaldini Guidotti e José Victor Bortolotto Bampi
É interessante – ou assustador – como nos dias atuais pouco se da importância ao mecanismo que regulamenta por meio de “normas” o convívio em coletividade, basicamente: Leis. Para o homem conviver harmoniosamente em sociedade, faz-se necessária tal lógica, procurando impedir a agressão moral e física entre os seus indivíduos pertencentes. Leis são criadas perante a necessidade de sua sociedade, buscando, assim, a preservação dos direitos iguais da população.
No Brasil, é perceptível a preocupação dos legisladores e governantes com a questão das minorias. Há um considerável esforço para garantir os direitos de tais grupos marginalizados, como exemplo, citamos a questão indígena, a mulher, o negro, os deficientes físicos e mentais e, aos poucos, vemos que os homossexuais estão garantindo seus direitos que há muito cobravam. Isso é fruto das revoluções ideológicas que fazem por meio de suas reivindicações e garantia dos direitos de tais grupos. No entanto, talvez nesta recente quebra de paradigmas ainda não há o lugar para o respeito à diversidade religiosa. Tal observação deriva não da ausência de leis que regulamentam sobre as práticas inerentes a este tema, mas sim, para o desrespeito de tais normativas.
Segundo Leite (2011)¹, constitucionalmente a laicidade – que significa que o estado é neutro em matéria religiosa, não podendo subvencionar qualquer organização eclesiástica – foi consolidada primeiramente na constituição de 1891 (essencialmente os artigos no 11, 70 e 72 tratam do tema), formalizando, na base da lei, o ponto da neutralidade religiosa brasileira. A questão laicidade firmou-se nas demais constituições brasileiras, sendo observada atualmente no artigo 19 da constituição de 1988, que diz:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II – recusar fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Neste sentido, vale considerar os incisos I e III especificamente no tema que abordamos. Sendo o estado laico, não é direito de o governo público subvencionar quaisquer tipos de culto a diferentes divindades cultuadas pela população, tampouco impedir a adoração dos fiéis a tais deuses ou negar o direito àqueles que não cultuam divindades. O estado deve ser neutro, acatando o artigo constitucional em questão, respeitando as diferenças e preferências da população brasileira.
Porém, a critério da observação inicial do presente texto, a realidade do país difere do que está previsto na constituição. Vários são os exemplos de como deveríamos considerar o Brasil um país laico-cristão – com o perdão do trocadilho. A começar, o exagerado financiamento com verbas públicas para com instituições religiosas, principalmente os de natureza cristã, como a “Marcha para Jesus” e a doação de terrenos para a construção de templos.
A utilização de recursos públicos em interesses místicos é tema do estudo técnico no 16/2007² da câmara dos deputados, onde mostra que para haver a contribuição financeira pública, é necessária uma lei específica que regulamente o interesse público de tais investimentos, o que normalmente não ocorre, violando assim a constituição.
Continuamos exemplificando com o escandaloso desrespeito à laicidade brasileira nas cédulas do Real, onde é escrito “Deus seja louvado” – alguém poderá defender, dizendo que pode entender qualquer divindade na presente frase, porém, estaria desrespeitando os brasileiros agnósticos e ateístas.
Temos ainda a fixação de crucifixos em estabelecimentos públicos, onde a justificativa de tal ato está na questão que o símbolo faz parte da história do país. Sinceramente um instrumento de tortura não nos parece combinar com uma parede de um órgão que luta pela justiça ou uma casa de leis e, se quisermos conservar a história do Brasil, parece-nos mais apropriado utilizarmos símbolos brasileiros originais e não de uma história que ocorreu a dois mil anos em outro continente.
Estes exemplos nos mostram como a laicidade no Brasil não é respeitada, apontando como temos muito que evoluir neste aspecto. Investir em templos ou eventos religiosos deveria ser última prioridade em um país que peca em questões como educação, segurança, emprego, distribuição de renda, fome e dentre outros problemas que afligem os brasileiros. O problema do desrespeito a laicidade ainda é pertinente quando olhamos para a ausência de seu conceito em diferentes ocasiões, como a pratica de orações em escolas públicas e a atribuição de símbolos religiosos em locais públicos.
Se a população brasileira em sua maioria é cristã e pouco se atenta sobre tal problemática, basta invertermos o pivô do problema para causar espanto: O que a população pensaria se as repartições públicas, daqui em diante, colocassem em suas paredes símbolos demoníacos ou financiasse eventos islâmicos com verba pública? Considerando tal realidade suspeitamos que a crítica ao desrespeito à nação laica seria maior.
Podemos até inferir que essa representatividade cristã na nação – e por consequência, nas urnas – gera um maior interesse de nossos representantes em agradá-los, seja para conseguir apoio político, ou por serem candidatos lançados já com a intenção de representar determinado credo no governo³.
Quando se trata de eleições, onde nos cabe a escolha dos mais aptos para governar, a religião ainda se mostra detentora de influência. Uma declaração descuidada de um político a respeito de sua opção religiosa pode ser considerada suicídio político. Foi o que ocorreu com Fernando Henrique Cardoso – ateu declarado – nas eleições para prefeito de São Paulo em 1985. Fernando declarou não acreditar em Deus numa entrevista com Boris Casoy, favorecendo seu oponente Jânio Quadros4.
Talvez longe ainda haja uma solução para o caso, porém, vale salientar que a cada momento que, de certa forma, “aprovamos” – com a ausência de críticas sobre as ações da natureza – a violação da laicidade do estado, estamos simpatizando com o desrespeito às minorias e negamos investimentos em problemas que realmente deveriam possuir maior interesse do que cultos a deuses mitológicos.
Vitor Hugo Rinaldini Guidotti e José Victor Bortolotto Bampi são membros da ATEA – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos.
[1] LEITE, Fábio C. O laicismo e outros exageros sobre a Primeira República no Brasil. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 31(1): 32-60, 2011.
[2] SAMBOSUKE, Sérgio T.; GRAÇA, Tarcísio B. da. Estudo Técnico no 16/2007 –Transferência de recursos públicos para entidades eclesiásticas e o alcance do art. 19, inciso I, da Constituição Federal.
[3] Assembleia de Deus espera eleger mais de 5.600 vereadores em outubro. Terra, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/55861-assembleia-de-deus-espera-eleger-mais-de-5600-vereadores-em-outubro.shtml e Bancadas evangélicas crescem nas câmaras de vereadores de capitais. Paulopes, disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/07/bancadas-evangelicas-se-fortalecem-nas-capitais.html.
[4] Fernando Henrique perdeu uma eleição em que até maconha e ateísmo entram no debate da última campanha de Jânio Quadros. Política para Políticos, disponível em: http://www.politicaparapoliticos.com.br/interna.php?t=756831.