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terça-feira, 26 de novembro de 2024

Minha alma chamamezeira

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20/09/2012 15h59 – Atualizado em 20/09/2012 15h59

Por Rosildo Barcellos

¡Qué dulce encanto tiene
en mi recuerdo, Merceditas,
aromada florecita,
amor mío de una vez!
La conocí en el campo,
allí muy lejos, una tarde,
donde crecen los trigales,
provincia de Santa Fe.

Em Mato Grosso do Sul, o tereré virou patrimônio histórico imaterial. São três manifestações culturais do Estado com essa classificação, juntamente com a cerâmica Terena e o banho de São João de Corumbá. Esta é uma forma de preservar a cultura local e valorizar os hábitos do homem da terra. Mas mais do que isso um item que faz a preservação ser viva é a música, além de ser o lenitivo da alma,como dizia Ramão Achucarro, é o que temos de mais valoroso.

Particularmente acrescento que a música é realmente e verdadeiramente, a cultura que passa de pai para filho.Tenho certeza que seria uma outra pessoa se não houvesse crescido entre os acordes de violões e da sanfona,ou do ganzá e do surdo, quando estava em Ladário e Corumbá. Conhecer a música, os tons e suas estórias fazem aflorar a perspicácia ,a resiliência e apresentam os grandes sonhos;até porque todas as sociedades mesmo as distintas, possuem uma memória inconsciente de ancestralidade.

Mas justamente hoje no dia do Chamamé, fico com ainda mais nostalgias, de perscrutar com meu pai que já aprendeu de meu avô,os fundamentos das canções,para reconhecimento delas enquanto estilo,ou dos motivos que existe aquela melodia. Para reconhecer o estilo,uma explicação: tanto a polca paraguaia, a guarânia e o chamamé, são músicas de compasso 6/8, entretanto a polca é tocada em ritmo compassadamente acelerado, a guarânia em ritmo lento e o chamamé em ritmo moderado. E para reconhecer a estória, conto uma da música mercedita:

Eram idos de 1939, quando Ramon Sixto Rios, nascido na antiga cidade da Federación, no auge de seus 27 anos chegou para atuar em um grupo de teatro na Sarmiento Club em Humboldt.Nesta ocasião vislumbrou Mercedes Strickler Khalov ,uma loira de olhos azuis três anos mais jovem e que pela sua beleza e jovialidade já era conhecida como Merceditas.Camponesa e que vivia em uma pousada no entorno da cidade,província de Santa Fé com a mãe e a irmã,já que seu pai havia falecido quando ela tinha tenra idade.

Evidentemente, Ramon, o violeiro ficou deslumbrado com uma garota de vestido branco a quem convidou a dançar.No início uma bela amizade, que logo se transformou num grande amor. Rios teve que voltar às pressas para Buenos Aires, mas continuaram se correspondendo por cartas. Seis meses depois voltou para propor casamento a Mercedes.Ela tinha a aprovação da família, mas não aceitou a proposta. Alguns meses depois do rompimento ela estava em sua casa e ouvia pelo rádio um chamamé muito agradável, quando algo lhe chamou a atenção. Percebeu que na letra da música havia frases que Ramon lhe dissera. A música logo virou sucesso e foi gravada inclusive por Cocomarola. O tempo passou, Rios casou-se com outra mulher, ficou viúvo e tempos depois voltou para realizar nova proposta à musa de sua canção mais célebre. Ela novamente disse não. Rios faleceu em 25 de dezembro de 1994, quando ele tinha 81 anos. Seu último ato foi legar os direitos da canção. Mercedes faleceu aos 84 anos, no dia 8 de julho de 2001. Terminou seus dias solteira e sem filhos, com dificuldades financeiras. Morreu numa sala de oncologia do hospital Esperanza de Santa Fé, na Argentina. A história de encontros e desencontros deixou o sabor amargo do amor que não se fez mas deixou essa belíssima e encantadora música.

E todas as vezes que ouço o chamamé não ouço apenas por ouvir,o chamamé bate no compasso do coração,do bandoneon,da história e da memória. O meu primeiro contato com o chamamé foi em um compacto duplo , ainda na década de 70,com destaque para Cruel Conquista, Pinguinho de Chuva e Che Florência(quem não lembra!) com Castelo que depois fez a dupla Castelo e Mansão. Mais tarde com os artistas que talvez não possa nomear a todos, mas ressalto as composições de Aurélio Miranda; Marlon Maciel que incendeia o acordeon desde quando começou sua carreira com a música no Grupo Musical Uirapuru,Claudinei,colega de escola,no grupo Zíngaro;o companheiro mesmo, Jorge Carvalho; O sempre presente com seu violão Horácio que faz chorar as cordas do pinho – cantava com Tilli Gomez ; o alegre Nilo da Gaita; o incansável Zé Pretinho, a incomparável Lenilde Ramos inovando sempre e tocando o Hino do nosso estado na “sanfona”; Maciel Correa,também a frente de seu tempo com o Chamamé Gospel, o extraordinário Rondinelli ; a presença de Ayres Gonçalves,que traz a saudades dos meus padrinhos quando entoa seu vozeirão os que não cantam com a garganta mas com o coração, Tostão & Guarani, Délio & Delinha maravilhosos e o filho João Paulo que eu conheci na banda nos tempos de Colégio ; Jandira & Benitez quando eu almoçava com meus pais na Afonso Pena(Cabana Gaúcha) e depois na “Caravelle”, apreciando um verdadeiro churrasco,os apaixonados Ivo de Souza e Janguinho; e já com a roda de viola marcada para o meu próximo aniversário com Alex & Ivan . É a nossa alma chamamezeira. E como esquecer neste 19 de setembro,Luciane Chamamezeira,bela por dentro e por fora,Ayro Barcelos o poeta; os sete anos de A Hora do Chamamé com Orivaldo Mengual, e Orlando Rodrigues sempre de braços abertos para a música e Marcelo Loureiro,um show na Harpa, que levou o nosso chamamé para a Rio +20. Obrigado Deus por permitir saber que no dia em que nasci o vento na rua assoviava um Chamamé.

Rosildo Barcellos é articulista

Lenilde Ramos é sanfonista e é uma das únicas mulheres a interpretar o hino de mato Grosso do sul em sua sanfona.

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