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terça-feira, 26 de novembro de 2024

Somos Filhos da Terra

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05/11/2012 14h37 – Atualizado em 05/11/2012 14h37

Por Marcus Eduardo de Oliveira

Historicamente, a luta pelo acesso à terra no Brasil sempre deixou corpos de camponeses molhados de sangue espalhados pelo chão. Ao longo dos tempos, esses corpos somente ocuparam as covas largas e profundas do latifúndio, ilustrando assim a poesia de Chico Buarque e João Cabral de Melo Neto (Funeral de um Lavrador / Morte e Vida Severina). Conflitos, trabalho em condições análogas à escravidão e concentração de terras são profundas marcas que sangram a história agrária desse país.

A nossa ainda intacta estrutura agrária, tacanha desde a gestação das cartas de sesmarias (documentos autorizando doações de terras) e das Capitanias Hereditárias (15 amplas faixas de terras entregues a 12 capitães do rei) somente fez, desde então, grassar latifúndios improdutivos (do latim “lato”: extenso, largo, fundo).

Pela força dos grandes proprietários (fazendeiros, madeireiros e empresários) incontáveis braços nunca puderam roçar seu próprio pedaço de solo, pois a reforma agrária sempre foi vista como uma ameaça ao direito de propriedade. Resultado? Muita gente sem terra e muita terra sem gente (são mais de 90 milhões de hectares improdutivos e somam-se mais de 4 milhões de famílias sem terras). Moral da história? Um contingente de miseráveis “escondidos” nos escandalosos bolsões de pobreza (segundo dados da Pnad, base 2009, dos 30,7 milhões de pessoas que abrigavam a zona rural, 8,4 milhões eram classificadas como pobres com renda per capita mensal de 1/2 salário mínimo e, 8,1 milhões de pessoas encontravam-se abaixo da linha de extrema pobreza, com ganhos também per capita de ¼ do salário mínimo).

Quais as consequências econômicas e sociais disso? Preferência pelas exportações ao passo que nossa gente mais simples se distancia dos alimentos. Assim, forma-se o paradoxo dos paradoxos: mais de 15 milhões de bocas esfaimadas e estômagos vazios vivendo no quinto maior país em extensão territorial (perdemos apenas para Rússia, Canadá, China e EUA).

Disso resulta que nosso país “opta” por exportar, por exemplo, vitaminas e suco de laranja, adoçando principalmente as bocas dos europeus, quando milhares de crianças daqui nunca tomaram um copo de suco dessa fruta que custa 60 centavos. Mais estarrecedor ainda é dar-se conta de que desde a década de 1980 somos o maior produtor mundial de laranja. Estima-se que há 190 milhões de pés de laranja – um para cada brasileiro. Somos o maior produtor mundial de mamão e o 3° exportador dessa fruta depois do México e Malásia. E não há dúvidas de que incontáveis brasileiros desconhecem o sabor dessa fruta. Até 2020, a exportação brasileira de carnes (bovina, suína e de frangos) suprirá quase 45% do mercado mundial, e cabe perguntar: quantos são os brasileiros que nunca provaram desses alimentos?

Tristemente, assim está sendo escrita a história agrária desse país: de um lado, os camponeses, a agricultura familiar com suas dificuldades, lutando para sobreviver. Do outro lado, a exuberância do agronegócio que se empanturra com os dólares adquiridos das exportações. A tabela a seguir, elaborada a partir do Censo Agropecuário de 2006 (o último realizado), apresenta alguns dados pertinentes a esses dois modelos.

Vejamos o lado que diz respeito à concentração de terras – mais de 350 milhões de hectares estão prontos para o cultivo; entretanto, apenas 72 milhões são utilizados. De acordo com o último censo, os pequenos agricultores tem 24% de todas as terras privatizadas do Brasil, ou seja, de cada 100 hectares de terras, 24 é de camponês. Já os médios e grandes tem 76% de todas as terras; de cada 100 hectares, 76 é do agronegócio. Quinze mil fazendeiros detêm mais de 98 milhões de hectares. Esses priorizam as exportações, pois do que produzem apenas 30% vai para o mercado de consumo doméstico.

O outro lado dessa história responde pelos assassinatos, conflitos e pelas ações violentas como ameaças de pistoleiros profissionais – segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em seu 27° Relatório intitulado “Conflitos no Campo – Brasil 2011”, as ações violentas cresceram 24% (de 835, em 2010, para 1035, em 2011), ao passo que, em 2010, 29 trabalhadores rurais perderam a vida e, em 2011, foram 30 corpos espalhados ao chão; em geral, explodidos por balas no peito. Somado a esse triste cenário, a escravidão no campo ainda mostra sua cara em pleno século XXI, expondo a dor e o sofrimento de rostos enrugados precocemente pelo esforço físico.

Segundo o referido relatório, o número de ocorrências de trabalho escravo no meio rural aumentou 12,7% entre 2010 e 2011. Em 2011, entre denúncias muito bem documentadas e flagrantes que resultaram em libertação foram identificados 230 casos, contra 204, em 2010. Nesse ano de 2010 foram libertos 2.914 trabalhadores. No ano passado, 2.095. Dos 27 estados da federação, em 19 foi identificado trabalho escravo (em 70% do território nacional) sendo que 39% dessas ocorrências se deram em atividades de corte de cana-de-açúcar, produção de carvão vegetal e desmatamento.

Lamentavelmente, estamos perdendo a chance de escrever uma edificante história de acesso à terra no Brasil em decorrência do descaso como é tratada a questão da reforma agrária. A reforma agrária é um imperativo social. Ao fazê-la, reduz-se o empobrecimento no campo, contêm-se o êxodo rural e freia-se a concentração de terras. Tudo isso permite atenuar o histórico quadro de desigualdades e injustiça social. O lugar do homem sempre foi e sempre será a terra. Por sinal, a origem da palavra “homem” vem de “homo”, derivada de “húmus” que significa “terra”. Somos, pois, da terra; “filhos da terra”.

*Marcus Eduardo de Oliveira é economista, professor e especialista em Política Internacional pela Universidad de La Habana – Cuba) / [email protected]

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Professor Marcus E. Oliveira.

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