04/05/2013 21h27 – Atualizado em 04/05/2013 21h27
Por Dom Redovino Rizzardo, cs
Não sei se exagero ao afirmar que, regressando a Dourados depois de ter participado da 51ª Assembleia da CNBB, em Aparecida, encontrei a Diocese em polvorosa. O motivo: uma “nota” divulgada pela CNBB no final de seus trabalhos, no dia 19 de abril, assinada pela Presidência da entidade, esclarece que os bispos da Igreja Católica se opõem à Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a aprovação de demarcação, titulação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de proteção ambiental.
Faz 12 anos que resido numa região onde, por força das circunstâncias, a cada ano que passa, cresce o antagonismo entre índios e agricultores. Ao invés de cidadãos do mesmo país, com direitos e deveres iguais, eles são cada vez mais levados a se olharem como rivais e adversários.
Essas “circunstâncias” remontam ao dia 22 de abril de 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, e os europeus – seguidos, mais tarde, por africanos e asiáticos – começaram a ocupar uma terra que, segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, escrita logo depois, no dia 1º de maio, «em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo».
A terra, eis a origem de todos os males. De quem é o solo do Brasil e, dado o problema que me afeta de perto, do Mato Grosso do Sul? Se dou atenção aos indígenas, a resposta é simples: «É nosso, pois sempre nos pertenceu». Se ouço os agricultores, a questão fica complexa.
A 9 de janeiro de 1872, dois anos após o término da Guerra do Paraguai, foi assinado o tratado de paz que deu ao Brasil boa parte do território paraguaio hoje pertencente ao Mato Grosso do Sul. Querendo defender os novos domínios, Dom Pedro II ofereceu imensas glebas devolutas a ex-combatentes que haviam lutado pela pátria. Na última década do século XIX e na primeira do século XX, chegaram numerosas famílias de gaúchos, paulistas e mineiros, que receberam, compraram – ou tomaram – do Governo áreas que destinavam à pecuária. Em ambos os casos, as terras eram habitadas por indígenas, os quais, por serem mais nômades do que sedentários, preferiam a caça e a pesca à agricultura, vagando de um lugar para outro.
Em 1938, no intuito de povoar as regiões agrestes de Goiás e do Mato Grosso, Getúlio Vargas lançou a “Marcha para o Oeste”. Em Dourados, o boom dos imigrantes teve início em 1950. Foram mais de 10.000 os nordestinos que obtiveram ou compraram glebas numa região então ocupada por índios e hoje por dezenas de municípios.
A partir da década de 1970, a fertilidade da terra e a mecanização da lavoura atraíram uma avalanche de gaúchos, catarinenses e paranaenses, que adquiriram suas propriedades legalmente.
Se todos, índios e agricultores, precisam da terra para sobreviver, a solução poderia ser a que expus no artigo “Não só de terra vivem os índios”, no dia 5 de abril: «Quanto aos produtores rurais que tiverem suas propriedades demarcadas, sejam indenizados pelo valor real das mesmas (e não apenas por suas benfeitorias); quanto às comunidades indígenas, suas aldeias sejam revitalizadas e transformadas em núcleos populacionais (urbanos e rurais), com os serviços e as políticas públicas indispensáveis às necessidades de seus habitantes, assim como se procura fazer com as demais cidades e vilas do país».
Escrevi acima que, ao voltar de Aparecida, encontrei a Diocese em polvorosa. Os agricultores, em sua maioria católicos, não gostaram da posição assumida pela CNBB: «Se a CNBB é a favor da democracia, por que teme o Congresso Nacional? Qual a sua vantagem em se imiscuir na luta pelo poder que, através de sucessivas PECs, travam Executivo, Judiciário e Legislativo? E por que não se pronunciou também contra o Projeto de Lei 122, que destrói os valores que sustentam a sociedade?».
Se, por fidelidade ao Evangelho, a Igreja não pode se omitir diante dos problemas sociais e econômicos que afetam o povo, também não deve esquecer que tais problemas têm sua origem na formação moral e ética das pessoas e das famílias. E se não se pode reparar uma injustiça (contra os índios) com outra (contra os agricultores), também não se deve prolongar uma situação de tensão e insegurança que só pode terminar em violência, onde os mais fracos são sempre as maiores vítimas.