08/09/2013 10h00 – Atualizado em 08/09/2013 10h00
Como os super-heróis da Marvel encontraram a magia para nos transformar em verdadeiros fiéis
Por: Jeffrey A. Brown
A Marvel Comics revolucionou o gênero super-herói na década de 1960, com personagens de histórias em quadrinhos como Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro e Hulk. Aventureiros em roupas coloridas que combatem criminosos e monstros alienígenas, principalmente nas ruas de Nova York, e que, apesar de seus incríveis superpoderes, enfrentavam problemas pessoais e sociais. Stan Lee, o arquiteto do universo Marvel, costumava chamar os leitores de “verdadeiros fiéis”.
Quase 60 anos depois, os mesmos personagens da Marvel estão transformando todos nós em verdadeiros fiéis. O sucesso dos filmes de longa-metragem da Marvel na última década transformou os super-heróis de uma mera obsessão dos fãs de HQ em um fenômeno internacional. A tendência dos filmes de grande orçamento sobre super-heróis não dá sinais de desacelerar, com os próximos lançamentos de Thor: O Mundo Sombrio, Capitão América: O Soldado Invernal, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e dezenas de outros filmes planejados, incluindo a muito esperada sequência de Os Vingadores, e novas séries de televisão como Agentes da SHIELD. Os super-heróis estão em toda parte, de camisetas e brinquedos a exposições como a experiência Marvel Super Heroes 4D no museu Madame Tussaud.
A atual predominância de filmes de super-heróis nas bilheterias pode ser atribuída a vários fatores. A trama habitual de um ser humano comum que adquire poderes fantásticos, de modo que ele (infelizmente, quase nunca é “ela”) pode vencer seus inimigos e é adorado pelas massas sempre será uma fantasia instigante. Do mesmo modo, a salvação metafórica de grandes cidades, seja Nova York, Metrópolis ou Gotham, é uma história reconfortante em um mundo pós-11 de Setembro. Mas o principal motivo pelo qual os filmes de super-heróis se tornaram tão populares neste milênio é que eles conseguem nos fazer acreditar no herói e na ação espetacular. Graças a avanços incríveis nos efeitos especiais, especialmente a inclusão de imagens de computação gráfica (CGI), os super-heróis de ação finalmente parecem verossímeis.
Os filmes de super-heróis bem-sucedidos costumavam ser poucos e esporádicos. O Superman de 1978 e o Batman de 1989 foram sucessos inegáveis, mas inúmeras outras tentativas de levar super-heróis às grandes e pequenas telas foram embaraçosas. Dolph Lundgren como o Justiceiro de camiseta preta, Rex Smith como Daredevil em uma malha preta e Reb Brown como Capitão América em náilon brilhante e capacete de motociclista alado foram praticamente esquecidos por um motivo: pareciam ridículos.
O lema memorável de Superman em 1978 foi: “Você vai acreditar que um homem pode voar”. E embora aquele filme realmente oferecesse uma representação relativamente boa de um super-herói ao vivo, nunca acreditamos realmente que ele pudesse voar. Os espectadores tinham de colocar sua descrença em suspenso nas cenas do Super-Homem voando entre os arranha-céus com uma Lois Lane fascinada nos braços. As plateias talvez tenham sido mais benevolentes com personagens das revistas da DC Comics, como Super-Homem e Batman, porque pelo menos os filmes davam um passo além das aventuras televisivas de Superman nos anos 1950, personificado por George Reeves, e a visão brega de Batman dos anos 1960 com Adam West. A maioria dos super-heróis de ação pareciam o que eram: adultos brincando de se fantasiar com roupas justas e nada favoráveis.
Ver pessoas reais de macacão justo lutando com supervilões ridículos roubava toda a magia e a fantasia do gênero, que podiam ser mostradas em uma página ilustrada. Nos quadrinhos, especialmente os produzidos pela Marvel, não havia limite para os tipos de histórias que podiam ser contadas. Monstros gigantescos de pele roxa devorando planetas, como Galactus, podiam lutar com o Quarteto Fantástico nas ruas, ou os exércitos alienígenas de Krees e Skrulls podiam ser derrotados pelos Vingadores. Nas histórias em quadrinhos, o limite era a imaginação do artista. O cinema e a televisão simplesmente não podiam competir com a encenação ficcional dos quadrinhos.
Mas tudo isso começou a mudar na alvorada do século 21, quando as franquias X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002) surgiram como obras-primas de efeitos especiais e grandes orçamentos. De repente nós acreditamos não apenas que um ser humano podia voar, mas que ele também podia disparar lasers pelos olhos, controlar o clima, projetar garras de “adamântio” de seus punhos, pendurar-se de paredes e balançar em teias de aranha sobre ruas movimentadas.
Os figurinos maravilhosos, atores competentes e diretores tarimbados como Bryan Singer e Sam Raimi colaboraram para finalmente elevar o gênero de super-heróis de ação de tolos para excitantes. Mas a maior e mais significativa mudança foi a interpretação verossímil em computação gráfica dos superpoderes e da super-ação. Centenas de artistas plásticos passaram milhares de horas em seus computadores para criar as cenas realistas. As plateias não eram confrontadas com o absurdo de um homem em uma roupa de Homem-Aranha justa demais fingindo subir por uma parede. A ação era realista, apesar de ser pura fantasia.
A interpretação em CGI do Homem-Aranha projetando-se do topo de edifícios era entrelaçada perfeitamente com atores e paisagens urbanas reais, a ponto de os espectadores se esquecerem de que em cenas cruciais estávamos vendo uma ilusão gerada por computador, e não uma pessoa de verdade. A tecnologia de cinema havia atingido um nível em que podia fazer o que as histórias em quadrinhos sempre puderam, isto é, apresentar uma história de super-herói aperfeiçoada por imagens fantásticas. Os efeitos especiais finalmente haviam deixado de ser uma distração e começavam a ser uma atração.
Existe um claro prazer cinematográfico em ver corpos que voam, livres da gravidade, como quando Tony Stark veste a roupa do Homem de Ferro e sai como um jato para combater os bandidos. Ou quando Steve Rogers (Capitão América) surge de um experimento de modificação do corpo e imediatamente salta por toda a cidade perseguindo um nazista. Ou quando Thor voa para a batalha com seu martelo. Podemos mergulhar na fantasia porque ela parece realista, é verossímil e notável ao mesmo tempo. Como vitrines de efeitos especiais, os filmes de super-heróis cristalizam nosso desejo infantil de que o cinema seja maior que a vida, espetacular.
Pergunte a pessoas de certa idade do que elas mais se lembram dos filmes quando eram crianças, e elas contarão sobre a emoção de ver uma nave gigantesca atravessar a tela no início de “Guerra nas Estrelas” (1977); as de uma geração mais moça se lembrarão com ternura da primeira visão dos dinossauros em “Parque dos Dinossauros” (1993). As crianças que vão ao cinema hoje provavelmente lembrarão da primeira vez em que viram Thor e Hulk lutando um contra o outro em “Os Vingadores”, ou do mais recente Homem-Aranha combatendo um lagarto gigante em O Espetacular Homem-Aranha (2012). Os filmes de super-heróis não são mais apenas infantis, mas oferecem emoções pueris para jovens e velhos igualmente.
Os filmes de super-heróis hoje podem nos mostrar coisas em movimento com as quais só podíamos sonhar. Não importa o dinamismo contido em uma história em quadrinhos, ainda é uma imagem estática cuja ação temos de imaginar. De muitas maneiras, a atual safra de filmes de super-heróis remonta aos primeiros tempos do cinema, caracterizado por historiadores como “cinema de atrações”. A tecnologia das imagens em movimento era tão nova que as pessoas pagavam para ver quase qualquer coisa, porque era puro espetáculo.
Cavalos galopando, homens espirrando, trens chegando à estação, até um elefante sendo eletrificado eram espetáculos fílmicos, no mais puro sentido da palavra, porque eram algo notável de se ver capturado em filme. Os filmes de super-heróis de hoje podem ter tramas mais elaboradas sobre o bem contra o mal, mas atraem nosso desejo básico de ver algo espetacular. A credibilidade dos personagens e da ação torna as aventuras ainda mais espetaculares. Se os recordes nas bilheterias e a venda de mercadorias servirem de indício, o universo dos filmes Marvel replicou o que os quadrinhos fizeram nos anos 1960 e transformou todos nós em verdadeiros fiéis.
Coisas de quadrinhos
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A Marvel Comics foi fundada por Martin Goodman em 1939. A primeira publicação incluiu o super-herói andróide Tocha Humana e o anti-herói Namor, o Príncipe Submarino. Vendeu quase 900 mil exemplares em dois meses. Em 1941, o Capitão América tornou-se um grande sucesso.
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Em 1961, vimos a chegada do primeiro time de super-heróis modernos, o Quarteto Fantástico, e em 1968 a Marvel vendia 50 milhões de revistas de quadrinhos por ano. As vendas desaceleraram nos anos 1970, e “Howard, o Super Herói” e “Jornada nas Estrelas” tiveram sucesso moderado.
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Com o novo milênio, os personagens foram transformados em franquias cinematográficas de sucesso, incluindo X-Men e Homem-Aranha. Em 2009 a Walt Disney comprou a matriz da Marvel por 4,24 bilhões de dólares.
Jeffrey A. Brown é professor associado no departamento de cultura popular, Universidade Estadual de Bowling Green, Ohio (EUA)