31/03/2014 14h51 – Atualizado em 31/03/2014 14h51
Por Vivi Whiteman – CartaCapital
Muito antes de a corte do abobado Luís XVI e sua rainha-ostentação Maria Antonieta ser atacada por uma nada elegante praga de piolhos, que elevou o uso de peruca de modinha real a item obrigatório de estilo, a ideia de “ditar tendência” já fazia parte do sistema que organiza o ato de vestir.
Nesta última semana, três exemplos distintos de ditadores de tendência ganharam o noticiário com seus “statements” sobre regras de estilo, indo do cômico ao trágico.
Primeiro, foi o fuá sobre o ditador coreano, Kim Jong-Un, que teria lançado um comunicado capilar muito polêmico. O texto incentivaria todos os moços universitários do país a adotar o corte do próprio líder, estilo moita oriental. Seria o nascimento de um novo “it boy” radical? Afe!
A informação está mais para factoide, não foi confirmada. Na verdade, parece uma piada que estamos dispostos a aceitar porque, no imaginário geral, a Coreia do Norte e seu líder, que cultiva a figura de tipo autoritário- freak, se encaixam muito bem nesse tipo de anedota patética.
Fato é que já existe naquele país um “manual de looks” oficial, com modelos de cortes aceitáveis para homens e mulheres. Há também por lá uma campanha contra o cabelo comprido, que parece ferir o que a fashion police coreana entende por “estética socialista”.
Uma versão totalitária de Celso Kamura e Marco Antônio de Biaggi, já imaginaram? ” Pode luzes californianas? Não, queridinha, é só o que está no livro, aponta um e aceita!”
Esse tipo de coisa, é claro, não é privilégio de Kim, o mandão.
Os manuais de estilo existem há muito tempo. Instruções sobre como copiar os looks dos ricos e poderosos estão em publicações de interesse geral desde o século 14, antes do surgimento dos primeiros volumes exclusivos sobre moda, que começaram a ganhar força no século 16.
E, mesmo antes disso, as fashionistas do passado já encomendavam pinturas e ilustrações que mostravam os trajes de reis, rainhas, princesas e afins, para que pudessem copiá-los.
Se na Coreia o estilo é questão de disciplina de Estado, na Europa de Maria Antonieta, por exemplo, copiar o monarca era um jogo de status muito complexo, feito apenas para quem queria e, principalmente, podia jogar. Os pobres, é claro, só acompanhavam de longe.
O modelo europeu prosperou e, com poucas mudanças drásticas, persiste até hoje, administrado pela figura dos editores de moda.
Anna Wintour, aquela que inspirou “O Diabo Veste Prada”, está no topo da montanha das, digamos, “editadoras” de moda contemporâneas.
Seu reino, a “Vogue” americana, é uma espécie de terra prometida e bíblia sagrada para milhões de fashionistas. Mesmo com um guarda-roupas caretinha e um cabelo mais feio que o de Kim Jong-Un, Anna é uma das guardiãs mundiais dos mandamentos do bom gosto.
Mas seus súditos se revoltaram, ficaram nervosinhos e pisaram nas calças de grife quando a titia chic deu a capa do mês, honraria maior de sua publicação, para o casal-celebridade Kim Kardashian e Kanye West.
Kanye, rapper popstar e empresário milionário, ok. Mas, Kim? Para muita “gente fina” foi como se o diário da corte desse destaque para uma duquesa do interior, uma nobre com título comprado, cheia da grana, mas considerada cafona. Uma “prima” renegada, escalada especificamente pra dar um help de fluxo à realeza que, apesar de cheia de pose, anda precisando reforçar o caixa.
O fato é que ambos são modelo de estilo de vida pra muita gente, vão alavancar as vendas e gerar semanas de publicidade gratuita. Gostem ou não os “top” fashionistas ultrajados, o público médio de revistas de moda como a “Vogue” pira no casalzinho gastador e sua vida-ostentação.
Kim não é sofisticada? Ok, mas vejamos outras garotas da capa. A loirinha-magrinha-novinha Taylor Swift por acaso é o cúmulo do chic ou apenas contratou alguém pra renovar seu antigo guarda-roupa estilo Paula Fernandes? E Gwyneth Paltrow, aquela estrelinha que disse “prefiro morrer a dar sopa industrializada para minha filha” e “prefiro fumar crack do que comer queijo enlatado”? Gênio da raça, exemplo de finesse? Sei…
Agora, pasmem: uma das críticas mais repetidas sobre Kim se refere ao tamanho de seu traseiro, que ela recentemente passou a esconder como se fosse a prova de um crime hediondo. Nos bastidores da moda, curvas avantajadas são vistas como sinônimo de “cafonice corporal”, a não ser que você alcance o nível Beyoncé no ranking de celebridade e poder. Certos patamares de status calam bocas e mudam olhares, sabe…
Pra não falar do argumento de que ela “se expõe demais num reality show”, motivo ridículo quando vindo de gente que não almoça nem janta se o Instagram estiver fora do ar.
Mesmo assim, Kim só apareceu na capa acompanhada do marido, com make discreto e o bumbum escondido num vestido de noiva. Como nos velhos tempos, o casamento ainda é um dos modos de integrar “outsiders” à alta roda.
Ai, que preguiça dessa coisa antiga, não? Mas há ideias ainda mais velhas e ridículas na nova vitrine dos horrores.
O troféu de pior ditador da semana vai para um coletivo de aprendizes de besta-fera, “made in Brasil”. Kim Jong-Un e a corte de dona Wintour ficaram bonzinhos perto deles.
Um beijo de desprezo para os 65% de 3.810 pessoas entrevistadas pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que concordaram com a frase: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Atacadas no sentido de molestadas, encoxadas, estupradas.
E mais da metade dos filhotes de apedrejadores que deram essa resposta são mulheres!
Imagino que nos próximos dias muitos desses entrevistados devam acompanhar pela TV e pelas revistas a temporada de desfiles de verão da São Paulo Fashion Week, que começa hoje na capital paulista.
Será que vão marchar contra os biquínis? Será que vão dizer que os shortinhos, decotes e transparências são pedidos para uma encoxadinha?
Será que acusarão Gisele Bündchen, mãe de familia que já posou seminua pras diversas revistas e campanhas, de agir como modelo de provocação e indecência para as moças?
Será que organizarão a “marcha das iludidas a favor dos machistas e dos criminosos dementes, pelo uso de túnicas e roupas largas de palhaço”? Ou será que vão acordar para a vida e sacar que estão querendo divulgar uma modinha cruel, baixa e venenosa? Pelo espírito de Leila Diniz, apenas parem!
Queridas, se vocês quiserem dicas sobre o que vestir, perguntem à Costanza Pascolato, consultem um stylist ou simplesmente se olhem no espelho e façam suas próprias escolhas. Defensor de tarado e gente que tenta justificar estupro como “corretivo” para mulheres “provocadoras” não tem direito de apitar nada sobre o guarda-roupas de ninguém. Deveriam, inclusive, procurar ajuda profissional pra dar conta de tanto equívoco, de tanto recalque e falta de lógica.
Oremos para nossa senhora de Zuzu Angel, protetora das mulheres elegantes que usam a moda contra a opressão. Afasta de nós essa tendência medonha, cruzes!!!
A jornalista Vivi Whiteman é jornalista de moda de CartaCapital