15/10/2014 09h57 – Atualizado em 15/10/2014 09h57
Por Rogério Fernandes Lemes
Certa vez, conversando com meu saudoso avô, o senhor Orcírio Nunes Fernandes, ele me disse: “pensei que já tinha visto de tudo nessa vida”. Suas palavras ecoaram em minha mente e, de lá para cá, me acompanham sempre que percebo algo novo ou, pelo menos, inimaginável. Algo novo, foi o que li esta semana; o artigo “Um soco na onipotência”, do antropólogo Roberto DaMatta publicado no jornal eletrônico O Globo.
Conheci DaMatta através de seus textos (não todos), quando era graduando do curso de ciências sociais. Uma das características que sempre chamou minha atenção é a capacidade que os mestres têm em analisar fenômenos sociais cientificamente, ou pelo menos, tentam, no intuito de produzirem “novos conhecimentos”.
O referido artigo de DaMatta, sempre muito bem escrito por sinal, revelou o “cidadão Roberto DaMatta”, mais preocupado em direcionar eleitores do que contribuir com a antropologia brasileira. Rapidamente surgiram críticas como a “carta aberta ao antropólogo Roberto DaMatta”, escrita por Márcio Valley que, segundo ele próprio em seu blog, é “um cara comum” e um “leitor” de Roberto DaMatta. A crítica se fundamenta pelo fato de DaMatta expor sua opinião pessoal sobre a configuração do pleito à presidência do Brasil. Segundo Valley, simplesmente é decepcionante, um intelectual da envergadura de DaMatta defender com tanta paixão uma militância de direita.
Algumas perguntas importantes de Márcio Valley: “a corrupção inexistia no Brasil pré-PT ou nasce a partir da assunção desse partido? A malfadada governabilidade no Brasil (…) é uma pré-condição do exercício do poder ou somente foi e será praticada pelo PT, mas não por outros partidos que eventualmente venham a conquistar o governo”? Valley ainda diz que utiliza pouco as redes sociais, devido a ausência do debate crítico e, em outras palavras, a visão reducionista dos “redatores de Facebook”.
Talvez, a mudança mais considerável na Política, não seja mais a estratégia de marketing com o lema já saturado “mudança de verdade”, mas sim, o envolvimento politizado do eleitor brasileiro; seu acesso imediato a vídeos, documentários, entrevistas, documentos (não disponibilizados na mídia convencional) e que revelam os rastros dos candidatos a cargos públicos. Esse fenômeno político se mostra, cada vez mais, no resultado das urnas, no considerável número de votos brancos e nulos. Esse resultado é muito significativo e, qualquer partido político que queira bem representar o povo brasileiro, deve estar atento ao respirar das ruas e, por que não dizer, às manifestações dos “redatores de Facebook”.
Como “um cara comum”, eu reconheço o avanço da política da transparência no Brasil; mas é necessário muito mais. Todos os partidos políticos que chegaram ao poder têm suas parcelas de contribuição, no desenvolvimento social e econômico; isso é algo inegável. Mas todos eles, de igual forma, também deixaram marcas de suas deficiências. Assim como não existe conhecimento científico a partir do nada, ou simplesmente da experiência de uma cultura humana sem levar em consideração os saberes anteriores, assim também, não há avanços políticos sem as experiências, boas ou ruins, por parte daqueles que assumiram o poder.
A liberdade dos cidadãos politizados está, exatamente, em debater e difundir essas experiências no campo das ideias; na compreensão do bem maior; do coletivo, tanto para pobres ou abastados, enfim, para todos os humanos que respiram.
A tristeza no coração de Márcio Valley com o artigo de Roberto DaMatta, e tantos outros “eruditos” que se declararam desiludidos (com DaMatta) nas redes sociais, é resquício de tudo aquilo que se critica: o coronelismo, o capitalismo, o socialismo e todos os “ismos” que conhecemos. A boa notícia é que a democracia brasileira está em construção; o debate crítico solidifica o desejo de aniquilarmos, de vez, com a ditadura do politicamente correto e do pensamento único, tão apregoada no “campo sagrado” e que na verdade tira, aos poucos, a liberdade dos indivíduos.
O partido que vencer no dia 26 não representará, obviamente, a vontade de todo o povo brasileiro. Ainda bem por isso. Mas, esse partido vitorioso, deve levar em consideração que tem uma grande responsabilidade: ser o governo que represente o Brasil para as nações; ser governo que represente aquilo que crê o povo brasileiro.
Rogério Fernandes Lemes é membro da Academia Douradense de Letras