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domingo, 24 de novembro de 2024

Este muro não me pertence

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18/04/2016 07h38 – Atualizado em 18/04/2016 07h38

Por Josemar Maciel

Estão surgindo diversas reflexões sobre o novo muro de Brasília. A que segue é uma contribuição.
Tem-se protestado bastante usando o novo muro, produto do novo projeto de remodelar o Brasil a partir da retórica cunhada por um réu e um conspirador.

Os protestos apresentam figuras de casais se beijando acima dele; pessoas de um lado subindo em escadinhas e regando plantas do outro lado do “seu” muro. Aparecem pichações de um lado e eventualmente do outro do muro, expondo protestos e frases de efeito moral. Isso é romântico, mas passivo por demais.

Porque trata-se de firmar o pé contestando o muro. A sua existência. A sua construção, pois é marco de um retrocesso. Aí, a meu ver, está o erro simbólico importante que nos deve fazer refletir muito. A crise real que vem por aí, para os próximos anos, será justamente essa. Esse muro dá corpo ao nosso estado de crise de representação, que é grave.

Ele não foi construído pela população. Foi construído por “otoridades”, para a população, sem a participação dela. É obra de um grupo de pessoas e de instituições que estão descoladas da complexa realidade do país. Sequestradores, de um jeito ou de outro. Mas sequestradores.

O país conheceu diversos muros históricos e veio tentando derrubá-los: a colonização, derrubada com a independência e a República. A escravatura, ainda em estado de cambaleância. A fome. A desigualdade social. A corrupção das pessoas e instituições públicas e de serviços civis e religiosos.

E aqui, atravessando todos os sistemas, os sequestradores. Que se apossam do público para benefício de grupos privados. Sejam grupos fisiológicos, o câncer dos partidos; oligarquias de ganância, o câncer dos mercados; plutocracias, que são uma soma perversa das duas coisas.

Além e aquém de partidos, mas sem negar a importância dos mesmos, e das associações, e dos inúmeros grupos de sistemas de vida – religiosos, culturais, etc. – para catalisar e ordenar os sistemas de representação.

Pois, agora, numa esquina da nossa história, é construído um muro para que as supostas “facções” não se peguem e não se estrangulem. É o máximo a que conseguem chegar os míopes desqualificados que querem salvar o Brasil. O Brasil tem que ser salvo deles. Não vice-versa.

Não, queridos. Não existem esquerdopatas nem coxofascistas. Existem sequestradores que estão a rir, como em uma comédia grossa, uma pantomima. Uma nova comédia bufa em sabe-se lá quantos atos, pois parece que nem chegou à metade.

O muro foi construído por representantes eleitos, que desrespeitam seus eleitores e a vontade deles. Respeitam, têm em mente apenas os próprios programas, utopias ou ortodoxias. Representantes que não estão lendo decentemente a complexidade da situação, auxiliados por profissionais que estão lendo menos ainda – destaco instituições sequestradas inverteram o sentido da operação “Mani Pulite”, o sentido da ideia de “conscientização”, a relação entre protestos e terrorismo – coisas que ainda serão estudadas daqui a uns tempos, quando esta poeira radioativa baixar.

Não temos um muro. O muro não é nossa ferramenta.

Temos coisa melhor. O voto e a república. Os três poderes. Um sistema que funciona, mas está quebrado e precisa de reformas profundas, pois está cheio de erros. O mais grave deles: está seriamente contaminado por interesses privados. Não digo interesses políticos, pois essa não é a política que se propõe para o século XXI.

Temos desejos. Sonhos de consolidação de uma democracia.

Voto direto e estável. Instituições transparentes. Julgadores isentos. Servidores e servidoras protegidos para as suas funções, mas sem qualquer privilégio. Público seja tratado como público. Privado seja tratado como privado. E as distorções, que sejam jogadas, em rede, no esgoto da história de uma república multicultural.

Eis o nosso muro: oligarquia, plutocracia, demagogia. O voto o derrubou. Esta crise reergueu um simulacro dele.

A pergunta é: o Brasil vai amadurecer e derrubar essa ficção? E como seria isso?

Eu vou para a rua com o meu martelinho, chamado voto, cobrando legitimidade e transparência.
Com os meus anos de trabalho, chamados dignidade.

Com os meus colegas, companheiros ou inimigos, chamados discussão.

Assistindo o canal que eu escolho na TV ou na Internet. Duvidando de todos antes de formar opinião.

Lendo muito.

Mas muro, muro não.

Engulam esse muro e nos vemos de novo em 2018.

O autor é professor do Mestrado/Doutorado em Desenvolvimento Local, UCDB, e da Licenciatura em Filosofia e Dr. em Psicologia.

Este muro não me pertence

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