08/09/2016 14h00
Por Diobelso Teodoro de Souza
Toninho Morais: O Urutau Cantor de Amambai
Por Diobelso Teodoro de Souza
No dia 20 de Março/1986, após o término do Treinamento dos Oficiais da Saúde no 18º. BLOG de Campo Grande, viajei para Amambai, cidade para a qual fui designado. No carro também ia o Tenente Morais e no banco de traz seu primo, Toninho Morais, com seu inseparável violão. Foram as duas primeiras pessoas de Amambai que conheci, além da colega de Medicina, Denize Berri, amiga da UFMS.
Na Parada do Sucão, enquanto a gente aguardava os lanches, Toninho dedilhava em seu Giorgio canções curtas. Próximo da chegada à Amambai, cantou a música de Zé Ramalho: “Nada vejo por essa cidade, que não passa de um lugar comum, mas o solo é de fertilidade, nos jardins dos animais em jejum… Esperando alvorecer de novo, esperando anoitecer outra vez – na clareza da Oitava Estrela…”
Disse-me que era professor de Português e tínhamos em comum o gosto por canções da MPB e poesia, além do mesmo dia, mês e ano de nascimento.
Naquela época havia um local no Centro da cidade, chamado Barril, próximo da atual Nutrivet, onde alguns militares da saúde se reuniam à noite: eu, o Cir. Dentista Oliveira, o Bioq. Carlos Cabreira, o Veterin. Andreussi, o Ten Tempor José Pereira, o Ten Hillsdorf, etc. Lá pelas tantas, aparecia o Toninho com seu violão e tudo silenciava: outros cantores, o som do ambiente e até mesmo a Pedro Manvailler parecia que aquietava. Tudo parava para ouvi-lo.
Quando surgia uma linda Lua, era comum ver o Toninho cantando em frente à sua casa ou sentado, com o violão, em algum canteiro da cidade. Não resistia nunca uma noite prateada.
Há uns 13 anos Toninho apresentou sua linda canção para Amambai, na Exposição, sendo muito aplaudido. No dia 28 de Setembro daquele mesmo ano, no aniversário da cidade, as crianças das escolas cantaram-na no Desfile Cívico.
Entre algumas internações em Abrigos e Clínicas de Recuperação, providenciadas por amigos, Igreja IPI e outras instituições, Toninho tinha períodos de lucidez e abstinência, com inspirações perenes e composições até brilhantes.
Os anos se passaram e fui embora. Deixei um recado especial, ou melhor, um legado aos meus filhos Murilo (29 anos) e Tomas (23): que quando estivessem de Férias na cidade e vissem o Toninho cambaleando nas ruas, sempre o acudisse. E se ele estivesse perambulando ao redor de suas mesas, que o convidassem para sentar. Jamais rejeitá-lo, em consideração à minha amizade com ele. Afinal, qualquer um pode ter que dormir na sarjeta, algum dia.
Em Julho de 2014, numa madrugada, o Tomás me ligou em SC, dizendo que quando voltava da casa de amigos, em Amambai, avistou dois indivíduos surrando o Toninho na calçada da Loja São Marcos. Desceu do carro e entrou em luta corporal com os vermes. Depois de amarrá-los os entregou para a Polícia e em seguida levou o Toninho para o Hospital.
Sua abstinência era cada vez mais diminuída, até levá-lo à dependência alcoólica total e encurtar-lhe de vez todo o seu tempo cirrótico entre nós. Não me despedi do Toninho. Mas sempre o abraçava quando retornava à Amambai. Afinal, ele e seu primo foram os meus primeiros amigos na cidade.
Entretanto, não tive oportunidade de contradizê-lo e afirmar que Amambai é bem mais que um lugar comum, no qual cheguei aos 26 anos, constituí família, criei dois filhos e uma vida profissional por 25 anos.
Um lugar onde se continua o ciclo da vida: esperando sempre alvorecer de novo e esperando anoitecer outra vez. Mas agora sem o nosso Urutau cantor, namorador da Lua, boêmio das ruas e dos canteiros centrais:
O querido amigo Toninho Morais.