13/12/2017 13h27
Fonte: Embrapa
O matemático e filósofo britânico Bertand Russell, um dos mais influentes pensadores do século XX, dizia que o maior problema do mundo moderno é que as pessoas preparadas e capazes estão sempre cheias de dúvidas, enquanto as desinformadas e incapazes estão sempre cheias de certezas. Incômodo semelhante sentia o escritor Umberto Eco, que não escondia irritação com o uso cada vez mais descuidado de um dos grandes avanços da humanidade, a internet. Com fino humor, ele dizia que, antes das redes sociais, os “tolos da aldeia’’ tinham direito à palavra “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. E concluía que “o drama da internet é que ela pode transformar qualquer tolo da aldeia em portador de uma suposta verdade planetária”.
O fenômeno que tanto incomodava a Bertrand Russell e Umberto Eco foi estudado pelos psicólogos americanos Justin Kruger e David Dunning, da Universidade de Cornell. Eles descreveram o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto julgam saber mais que outros mais bem preparados. Os cientistas concluíram que muitas vezes a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento, dando a pessoas desqualificadas a sensação de uma “superioridade ilusória”. Assim, indivíduos com ideias preconcebidas, intuições, vieses e pressentimentos constroem versões distorcidas da realidade e se agarram à ilusão de que são detentores de conhecimento confiável.
Os estudiosos dessa “superioridade ilusória” analisam que, quanto mais ignorante alguém for em um assunto, menos qualificado será para avaliar a habilidade de qualquer pessoa que trabalhe no mesmo assunto, incluindo sua própria habilidade. Quando alguém usa uma rede social para disseminar absurdos e ninguém o contrapõe, esse indivíduo se assume um expert. Isso resulta em uma percepção artificialmente inflada das suas próprias habilidades, muitas vezes temperada pelo ego. O mesmo efeito fará com que pessoas igualmente incompetentes se parabenizem e se apoiem, pois não conseguem detectar suas insuficiências. Por isso, muitos ambientes de discussão efervescente são nada mais que arenas da ignorância, que afugentam as pessoas mais habilitadas a iluminar o debate.
Um agravante é que as catástrofes e o negativismo exercem enorme atração sobre a sociedade moderna. Essa condição cria ambiente fértil para a “superioridade ilusória”, que faz circular de forma intensa falácias e meias verdades, ampliando o culto ao pessimismo e a glorificação dos que adoram bater os tambores do apocalipse. Estranhamente, esse movimento cresce em um mundo em que são abundantes as evidências de progresso, como mais democracia, mais educação e mais desenvolvimento econômico e social. Qualquer análise cuidadosa do progresso humano em prazos mais longos demonstrará que as melhorias alcançadas pela sociedade moderna são nada menos que extraordinárias. A humanidade nunca esteve tão bem como agora, em inúmeros aspectos, o que deveria afugentar o pessimismo e nos animar em relação ao futuro.
Mas, ao contrário, estamos nos afogando todos os dias em um mar de análises e cenários pessimistas. Razão por que teremos que nos preparar para um embate cada vez mais acirrado entre o conhecimento e a ignorância. De acordo com Max Roser, cientista da Universidade de Oxford, que se dedica a estudar a evolução a longo prazo dos padrões de vida no mundo, uma das razões pelas quais muitos se concentram em coisas que dão errado é que sua amostragem é distorcida da realidade, porquanto concentrada em eventos únicos e pontuais, preferencialmente extremos, que atraem mais curiosidade e atenção. A atenção preferencial a eventos extremos faz com que os avanços positivos de grande impacto, que ocorrem mais lentamente e são resultado da integração de muitos pequenos avanços, não capturem a atenção das pessoas, que se tornam mais concentradas no curto prazo e, pior, cada vez mais obsessivas pela catástrofe e pela autoflagelação.
Outro agravante é que a informação está sendo produzida e disseminada em velocidade estonteante e desvalorizada e tornada obsoleta com igual celeridade. É cada vez mais difícil nos mantermos atualizados em temas como política, saúde, segurança, tecnologia, etc. E, embora informações estejam prontamente disponíveis em múltiplos veículos e mídias, é cada vez mais difícil avaliar quando alguém está bem informado. O perigo é que as torrentes de informações que nos chegam diariamente nos tornem menos informados, desinformados ou, pior ainda, menos conhecedores do que não sabemos.
Portanto, não é possível esperar que o confronto entre o conhecimento e a ignorância se abrande no futuro, pois enquanto a ciência e a tecnologia avançam em ritmo exponencial, a política, a economia e a educação seguem em ritmo lento e linear. Na era do conhecimento, a grande maioria dos países acumula imensos passivos na formação de talentos e competências e muitas vezes a educação e a ciência são tratadas com pouca ou nenhuma prioridade. O perigo é que uma legião de desinformados cheios de certezas multipliquem conflitos desnecessários e comprometam o progresso. Esse é um desafio importante para o Brasil, que acaba de ser apontado na pesquisa “Os Perigos da Percepção”, do instituto Ipsos Mori, como a segunda nação, em 38 pesquisadas, em que as pessoas mais têm uma percepção equivocada da realidade do seu próprio país.
Artigo publicado na edição do dia 10 de dezembro de 2017 do jornal Correio Braziliense.