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sábado, 23 de novembro de 2024

A lenda do ditador bonzinho

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30/05/2018 19h46

  • Por Fausto Matto Grosso*

O relatório da CIA divulgado recentemente, pelo professor Matias Specktor (UFRJ), desmistificou a lenda de que o presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e assassinatos nos quartéis. O documento Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger, pode ser encontrado no endereço eletrônico do Departamento de Estado dos EUA (https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99).

O documento da CIA, com data de 11 de abril de 1974, relata reunião entre os responsáveis pela segurança no governo Médici e a equipe que assumiu essa função no governo Geisel. Estavam presentes o Presidente Geisel e o general Figueiredo, este que assumira o Serviço Nacional de Informações (SNI). Presentes ainda o general Milton Tavares que fora chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Médici e o general Confúcio Danton Avelino que estava assumindo essa função no Governo Geisel.

O general Milton falou sobre suas atividades à frente do CIE e pediu então que “métodos extralegais” continuassem a ser empregados. Informou que, no último ano, 104 pessoas haviam sido sumariamente executadas pelo CIE. Figueiredo “apoiou a política de extermínio e pediu a sua continuidade”, diz o informe.

No dia 1°de abril, após ter pedido tempo para pensar, Geisel informou ao general Figueiredo que a política de assassinatos deveria continuar, mas que “mais cuidados deveriam ser tomados para ter certeza de que apenas subversivos perigosos fossem executados” e que os assassinatos só deveriam ser efetivados depois de autorizados pelo General Figueiredo, do SNI. Assim o Presidente centralizou a política da repressão e assumiu a responsabilidade pessoal sobre a repressão aos opositores do regime.

Mas, afinal, o que foi o Governo Geisel, que assumiu o poder em 15 de março de 1974?

Geisel chegou ao poder através de eleição indireta, no Colégio Eleitoral, onde conquistou 400 votos, enquanto seu opositor Ulisses Guimarães obteve apenas 76 votos com a sua anticadidatura.

No aspecto econômico, o “milagre brasileiro” tinha perdido o seu impulso e o país começara a conviver com o aumento da dívida externa e com a inflação, que era de 15,54% na sua posse e no final do seu mandato atingiu 40,81%%.

O descontentamento da população começou a se manifestar. Nas eleições de outubro de 1974, quando foi renovado um terço do Senado, o MDB obteve vitória em 18 dos 22 estados. Foi a primeira grande derrota eleitoral do regime.

O ano de 1977 se abriu com Geisel anunciando medidas de “arrocho” na economia, indispensáveis para a redução da inflação e do endividamento externo. O temor de que as reações sociais às restrições econômicas fossem exploradas politicamente, pode explicar o recuo do governo no plano político.

Geisel reagiu com a Lei Falcão (1976) – que emudeceu a propaganda na TV – e o Pacote de abril (1977) com o objetivo de desfavorecer a oposição nas próximas eleições (1978). Nessa ocasião Geisel fechou o Congresso Nacional e baixou, por decreto, uma reforma constitucional que instituía eleições indiretas para governadores e para 1/3 do Senado criando os famigerados “senadores biônicos”.

Já tendo sido derrotada a luta armada, quem eram então os novos “subversivos mais perigosos” que deveriam ser executados?

Eram aqueles que lutavam, sem armas, contra a ditadura. A linha adotada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de investir na luta pelas liberdades democráticas, era percebida, pelos órgãos de repressão, como a mais “inteligente” e perigosa, para o projeto do regime.

O ano de 1974, após a derrota eleitoral do regime, foi especialmente duro para o PCB. Nesse período, foi assassinado um terço dos membros do seu Comitê Central. Diante desses fatos, pela primeira vez na sua história desde 1922, a direção do PCB teve que se exilar e dirigir o partido desde o Exterior.

Mas a repressão atingiu também vários dos seus militantes, entre os quais se podem citar o operário Manoel Fiel Filho e o jornalista Vladmir Herzog, casos que tiveram grandes repercussões e serviram para ampliar a luta contra a tortura e os assassinatos políticos.

O documento da CIA, passado os anos, apenas veio confirmar o que já se sabia, jogando luz sobre a lenda do general Geisel como ditador bonzinho.

Fausto Matto Grosso/Engenheiro e professor aposentado da UFMS

A lenda do ditador bonzinho

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