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sábado, 23 de novembro de 2024

Morreu o Dino, por Douglas Santos

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19/02/2019 13h07

Fonte: Redação

Amambai (MS)- Morreu, na noite do último domingo (17), o sanfoneiro sul-mato-grossense autodidata, Dino Rocha. Ele estava internado há 20 dias no Hospital Regional Rosa Pedrossian e teve parada cardíaca.

Nas redes sociais, inúmeros artistas e amigos homenagearam o músico, que era uma referência no Mato Grosso do Sul e que foi considerado por muitos como fenômeno do chamamé. Uma dessas homenagens foi a do músico amambaiense e promotor de justiça, Douglas Santos, que você confere na íntegra.

Morreu hoje, o Dino.

Logo cedo já comecei a ver, nos grupos todos de whatsapp que faço parte, deferências ao nosso ‘ícone no chamamé’, a um dos ‘maiores expoentes da nossa música regional’, a um dos grandes ‘magos do acordeon’ e até mesmo ao ‘incomparável Dino Rocha’.

Mas cada mensagem que lia, e cada link a que era remetido por uma ou outra delas, só se repetia na mente a mesma frase: ‘Morreu o Dino’.

Não, não refugo nem refuto nenhuma das titulações que citei, e nenhuma das dezenas que li e não me lembro agora. Dino Rocha era merecedor de todas elas. Era mesmo um dos maiores ícones do nosso chamamé e da história do nosso acordeon. Para alguns o maior de todos.

É que nunca vi Dino dessa forma.

Fui criado em meio a eles. Ouvi em primeira mão o disco ‘Os filhos da Terra’, com Ado, Amambai e Dino Rocha, de 1.984. E eles três eram um dos muitos conjuntos ou duplas (como Alex e Queiroz, Délio, Delinha e Maciel Correa, Tostão e Guarani, e muitos outros) que frequentavam as reuniões e palanques das campanhas de meu pai, e cotidianamente a varanda de nossa casa, naqueles tempos em que a música regional era a vigente, a imperante, a dos nossos ouvidos, a que dominava os palcos da nossa terra.
Era pouco o que eu tinha pra contar. Mas muito o que eu tinha pra sonhar.

E dos sonhos que nasciam ali naquele tempo, ser músico foi o mais pulsante. E o sonho, aliado à devoção de acompanhar o pai, me fazia estar sempre com aqueles artistas, que me eram ícones quando cantavam, mas também me eram protetores quando me cuidavam quando eu, entre eles, me perdia sozinho, e meus amigos, na confidência singular que nasceu entre aqueles homens vividos e um menino de oito, dez anos que os seguia por onde fossem, para vê-los tocar.

E ali se fez um ritual que marcou de forma indelével o início da minha relação com a música. Sobre os estojos dos acordeons, eu me sentava ao lado dos conjuntos para ouvi-los, observando.

Atentava para os assovios e agudos de Toninho (o Queiroz, que hoje é Castelo); para a segunda voz inigualável de Alex, que tempos depois tocou comigo muitas vezes e acabou por se tornar meu compadre; o baixo rabecão de Maurício Esquivel; as cordas de Clemente Viegas; o requinto canhoto de Ado, com seu inigualável El Condor Pasa; o acordeon paraguaio nativo de Abel Baez, em parceria com a voz de Amâncio Cabreira e tantos outros que a não citação não significa menor importância.

Tudo foi ensinamento, tudo foi lição, tudo foi paixão crescente pela música sendo feita pedaço por pedaço, observando como ela nascia da soma de cada coisa daquelas.

Mas meus olhos iam sempre na direção das teclas. Era Abel, Cidinho Castelo, Cheirinho (que se tornou o ‘Guarani’, substituto de Cruzeiro, na dupla Cruzeiro e Tostão), Maciel Correa, meu primeiro professor, e entre eles, o Dino, que tocava com o Ado e o Amambai.

E o Dino, é hora de dizer, tinha um jeito diferente. O Dino era debochado, era escachado. Ele brincava com o acordeon. Eu nunca esqueço de uma brincadeira que ele fazia sempre de um sujeito que por um motivo qualquer (que não me lembro) ficava sem poder usar uma das mãos, e tinha que tocar com uma só. E ele fazia isso, soltava o fole descendo e ia tocando o lado direito, depois alcançava o lado esquerdo e tocava os baixos, com a mesma mão.

Piada, coisa pra fazer rir, coisa que só o Dino fazia.

Todos eram bons. E eu seguia e olhava todos. Mas o Dino tinha uma piscadinha quando fazia alguma coisa, que às vezes eu nem entendia se era um lance virtuoso ou um tropeço. Porque não fazia diferença. A piscadinha era a mesma.

Admirei tanto o Dino quando criança, sem nunca dizer a ele, que quando me tornei músico havia, no nosso repertório um instante entre as polcas e chamamés em que eu e Tili Gomes (já morto, também) solávamos as nossas músicas preferidas. E uma das que eu mais gostava, e que nunca deixava de fora, era ‘La Dichosa’, exatamente daquele disco de 1.984. Era árduo, pois eu tinha que fazer as duas mãos do Dino no teclado. Mas valia a pena, porque era lindo.

Talvez ‘Gaivota Pantaneira’ tenha sido tocada hoje, entre rádios, redes sociais e grupos de whatsapp mais vezes do que nos últimos cinco anos. E é justo, porque é um emblema dele e relembrar os mortos por seus emblemas é uma maneira justa de homenageá-los.

Mas mesmo depois de ver e rever tantas mensagens, nada senão três coisas permanecem presas no meu pensamento: Aquela piscadinha quando eu ficava sentado na caixa da sanfona vendo os músicos tocarem; eu tocando La Dichosa, tirada do disco de 84, nos meus bailes depois que virei músico; e a mesma notícia de hoje cedo: O Dino Morreu.

Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, amambaiense, músico de formação no início da vida, Promotor de Justiça desde o ano de 2.000, Assessor da Corregedoria-Geral do MP, Membro Colaborador do Conselho Nacional do Ministério Público.

Morreu o Dino, por Douglas Santos

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