17/03/2019 20h07
Por Fausto Matto Grosso
Um fantasma assombra o mundo. O fantasma da Reforma da Previdência Social. Surfando na onda do liberalismo, da globalização e do tsunami demográfico, essa questão chegou também ao Brasil.
Em 1998, Fernando Henrique aprovou a Emenda Constitucional (EC 20) pela qual, para a aposentadoria, não seria mais levado em conta o tempo de serviço do trabalhador, mas sim o tempo de contribuição. Teve ferrenha oposição do PT.
Em 2003, Lula, através da Emenda Constitucional (EC41), focada no servidor público, estabeleceu que a aposentadoria não seria mais pelo salário da ativa e sim pela média da contribuição. Aumentou a contribuição para 11%, e estabeleceu o teto para servidores estaduais e federais. Para aprovação dessas medidas, contou com o apoio do PFL e do PSDB e oposição de dissidentes petista que vieram a formar o PSOL.
Em 2015, Dilma teve que fazer um ajuste fiscal, e chamou para tanto o ministro liberal Joaquim Levy. Na Previdência, aprovou a regra que somava tempo de contribuição com a idade, cujo total que deveria atingir os 85/95 pontos. Sofreu grande desgaste da sua base social e partidária.
Depois foi a vez de Temer com a sua dura reforma de 2018. Só não foi aprovada pela sua baixa governabilidade decorrente dos escândalos de corrupção que envolveram o próprio Presidente.
A cada um desses momentos o déficit da Previdência se apresentava maior.
Agora é a vez de Bolsonaro. Sua proposta de Reforma é duríssima, ancorada em uma concepção ultraliberal, focada, basicamente, no déficit previdenciário.
O resumo da história é o seguinte: a direita atual repete as tentativas de reformas feitas pela centro-esquerda e pela esquerda. Ou seja, a esquerda quando assume o governo também tem que enfrentar a realidade e deixar o palanque. Vira “esquerda de governo”, que tem que tratar do conjunto dos problemas do País. O caso mais exemplar é o da Grécia, da frente de esquerda Syriza, onde tiveram que cortar até aposentadorias, pensões e proventos.
Vivemos, neste momento, a guerra das narrativas, parecidas com as que marcaram a campanha eleitoral. Cada um tem seus números e suas verdades. É aquela situação do copo d’agua. Uns só enxergam o meio copo vazio e outros só enxergam o meio copo cheio, de acordo com o seu interesse.
Uma grande dificuldade é a discussão isolada da Reforma da Previdência. Para boas decisões, a discussão deveria ser feita no contexto de um plano de desenvolvimento. Qual país queremos ser, como seria o financiamento da saúde, da segurança, da educação? De onde sairá o dinheiro para infraestrutura e desenvolvimento econômico e social, para tecnologia e meio ambiente? Como combater os privilégios e as desigualdades? Se a discussão se desse neste nível, seria outra, com mais responsabilidade com o País e com os brasileiros.
Quanto à Previdência, por exemplo, teríamos que ter respostas para o rápido envelhecimento da população, para a diminuição do número de filhos das famílias, para o crescente esforço para pagar as aposentadorias que acabam comprimindo as despesas sociais. Hoje, os idosos se aposentam mais cedo e vivem mais, crescem as desigualdades entre o setor publico e o privado. Os gastos nacionais e estaduais têm aumentado insuportavelmente, com o Brasil destoando da maioria dos países do mundo, quanto à aposentadoria.
Diante desse quadro, não tenho dúvida que alguma Reforma da Previdência será aprovada. Pode ser mais, ou menos parecida com a proposta Bolsonaro, dependendo do jogo congressual. Diante desse quadro, a pura “resistência” é burra, irresponsável, e reacionária. O desafio politico é travar a luta pela proteção dos mais vulneráveis e contra as desigualdades e privilégios. Isso só se faz, participando do processo, pressionando e negociando. Numa democracia cabe aos movimentos sociais e de trabalhadores pressionarem em defesa dos seus interesses. Mas, cabe aos partidos, se quiserem ser nacionais, que tratar a questão dentro da complexidade do conjunto dos problemas do País.
Oposição à Bolsonaro, não pode significar oposição ao País. Tem que haver comedimento. Além disso, responsavelmente, não dá para brigar contra a demografia e contra a matemática.
Fausto Matto Grosso/Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS