12/04/2019 20h33
Fonte: REVISTA IHU ON-LINE
Quando Christiane Torloni começou a fazer Amazônia, O Despertar da Florestania –, seu primeiro filme com o diretor e amigo de longa data, Miguel Przewodowski, e lançado, no final do ano passado, no Festival do Rio –, a atriz de 62 anos não sabia que tinha tanto o que dizer. “Mostrei para o Miguel e ele me disse: ‘Você tem um filme’.”
A reportagem é de Sabrina Rodrigues, publicada por O Eco, 11-04-2019.
Na sexta-feira (05/04), foi a vez do público que lotou a sala 01 do Cine Arte UFF, em Niterói, município do Rio de Janeiro, assistir aos 111 minutos de um trabalho que durou 7 anos para ser realizado. Participante da categoria competitiva da nona edição do Filmambiente 2019 – Festival Internacional de Filmes Ambientais, o documentário começou projetando para uma plateia atenta e interessada, as imagens da luta de Christiane e de outros artistas pela democratização do país. “Quis mostrar a importância das Diretas Já”, contou Torloni no debate depois da exibição do filme.
Filha do casal de atores Monah Delacy e Geraldo Matheus, alunos da primeira turma da Escola de Arte Dramática de São Paulo e também fundadores do Teatro de Arena –, fundado em 1953, como uma alternativa ao teatro da época, que promoveu uma renovação do teatro brasileiro –, Christiane tem uma longa história de ativismo político e ambiental. Junto com o seu amigo, o ator Victor Fasano, é coordenadora do movimento Amazônia para Sempre, que em 2009 levou mais de um milhão de assinaturas ao Senado Federal pela interrupção do desmatamento na Amazônia.
O filme que será lançado no circuito comercial em maio nasceu deste movimento.
A produção mescla entre os períodos da história do Brasil com o que tem sido feito com a Amazônia, reunindo depoimentos de representantes dos mais diversos segmentos ligados ao tema, como indígenas, políticos, ambientalistas, jornalistas, artistas e intelectuais.
Debate
Após a exibição do longa, metade da plateia foi embora, deixando a outra metade na expectativa de um bom debate com o Victor, Christiane e Miguel. Fato com que Fasano brincou: “Eu fico sempre pensando naquela turma que vai embora, será que tinha alguém lá que foi, que não é convertido ainda, vamos buscá-lo, pelo amor de Deus, volta! “, disse o ator, provocando risos na plateia.
Furar a bolha ambiental e falar com quem ainda não sabe da importância da preservação move o ator, que também é um conservacionista. Fasano é proprietário do criadouro Tropicus, em Guaratiba, na zona oeste do Rio, onde montou um banco genético com mais de 60 espécies em extinção. O ator aproveitou a sua fala no debate, questionando como convencer o outro de que preservar é importante. “Então, eu sempre me pergunto e pergunto para todo mundo que cruza a nossa vida, qual é o gatilho, qual é o filme, qual é a leitura, qual é a palavra que vai fazer com que as pessoas digam ‘Ah, agora é hora, chega! ’ E a gente fica buscando essa palavra, buscando várias formas de qual palavra vai convencer a humanidade de que nós somos a única espécie responsável capaz, com sua inteligência de mudar o que está acontecendo, somos nós. Eu jogo isso para vocês, somos nós os responsáveis. Teremos essa inteligência para reverter tudo isso?”
A plateia se mostrou interessada tanto pelo processo da feitura do filme quanto pelas ausências. Embora citado, o patrono do meio ambiente no país, Chico Mendes, não aparece no filme. “Nós tínhamos imagens de 5 minutos com o Chico (Mendes) que custou uma grana de arquivo. Fomos lá, pagamos. A viúva, depois que estava tudo certo, não assinou a cessão de direitos de imagens de um herói. Por quê? Quem é dono da memória do Brasil? Como é possível que um herdeiro, por uma razão diga: ‘Não, Chico Mendes não tem importância.’ Foi isso o que aconteceu. Então, fala-se do Chico e eu só consigo ter o enterro dele, porque ele não aparece vivo”, desabafou Torloni.
“A ideia não foi fazer um filme de denúncia, mas um filme que fosse provocativo. A gente pode fazer a cada dia, com atitudes menores, dentro das nossas casas, nas nossas ruas, ter cuidado com o meio ambiente. De forma geral, acho que a gente pode fazer quando vota, quando a gente se organiza. E a gente queria trazer uma pluralidade para o filme”, disse o diretor Miguel Przewodowski, durante o debate.
Miguel declarou o seu entusiasmo com os debates após as exibições do filme pelo Brasil, mas também fala sobre o círculo vicioso com que as questões sociais no Brasil acontecem. “Eu tenho visto a nossa plateia, uma plateia muito jovem e isso tem me emocionado. Num desses debates, com muitos estudantes e crianças de 10 anos de idade, uma dessas crianças, por exemplo, chegou para a mãe e falou (a mãe contou isso pra gente depois): ‘Mãe, o Chico Mendes é igual a Marielle, né? Ele fez a mesma coisa que a Marielle fez e morreu também por isso.’ E a mãe falou: ‘É, meu filho, o Chico Mendes é igual a Marielle’. Então, a gente vai vendo que o Brasil, infelizmente, em alguns aspectos, vai reproduzindo essas histórias, e a gente propõe, através do filme, que a gente tome essa história como nossa de verdade”, diz Miguel.