02/06/2019 10h30
Para entender como funcionou esse decreto-lei, o MdeMulher conversou com Daniela Alfonsi, antropóloga e diretora de conteúdo do Museu do Futebol desde 2014.
Fonte: MdeMulher
Neste ano, a luta feminina por mais visibilidade no futebol dá mais um passo. No dia 7 de junho, começa a Copa do Mundo de Futebol Feminino na França. Entre as 24 seleções que estão dentro da disputa, a do Brasil é uma delas. Mas você sabia que formar um time feminino legalmente só foi possível depois de 1979 aqui no Brasil?
Esse cenário explícito de proibição das mulheres nos esportes começou em 14 de abril de 1941, com o Decreto-Lei 3199 imposto durante o governo de Getúlio Vargas. Como esclarece Daniela Alfonsi, antropóloga e diretora de conteúdo do Museu do Futebol, dentro desse decreto havia o artigo 54 com normas destinadas especificamente para as figuras femininas e que mostrava claramente o posicionamento do Estado sobre o que era ser mulher na época.
“Ele dizia que as mulheres estavam proibidas de praticar qualquer esporte que fosse contra sua natureza. Não especificava quais esportes, mas o futebol já era bastante popular no Brasil nesse período e ele foi imediatamente lido como um esporte que foi proibido para as mulheres. Porque ele sempre foi considerado um esporte mais violento, de contato e todas as justificativas dessa proibição tinham a ver com a preservação do corpo da mulher. A mulher não poderia participar de atividades físicas muito impactantes, porque isso poderia causar infertilidade. Era essa visão de que a mulher servia apenas para a maternidade, para gerar filhos da nação”, enfatiza Daniela.
No entanto, isso não fez com que as garotas deixassem de jogar. A antropóloga explica que no interior de estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mulheres acabavam reunidas para jogar, até que alguém trazia o artigo de proibição à tona.
Além disso, Daniela também lembra de histórias pontuais de mulheres que acabaram presas por praticarem o esporte durante a ditadura militar no Brasil e outras que foram acusadas de serem cafetinas, pelo simples fato de que a reunião de um grupo de mulheres era algo visto como comportamento alusivo à prostituição.
O retrocesso históricoÉ muito difícil digerir histórias como a de mulheres que foram literalmente presas por jogarem futebol, mas o resultado negativo do Decreto-Lei 3199 representou mais do que isso e, infelizmente, suas consequências históricas se fazem presentes até os dias de hoje.
“A maior punição foi não ter o desenvolvimento. Foi ter naturalizado durante muitas décadas de que futebol é coisa de homem. Quando que a história mostra que as mulheres já jogavam antes de serem proibidas. Já tinham ligas, clubes femininos, torneios locais, já tinha um desenvolvimento da modalidade que foi completamente interrompido durante muitas décadas e ainda não retomou como deveria, com todo seu vigor. Avançou muito, mas ainda tem muita deficiência no próprio desenvolvimento”, pontua Daniela.
Para entender melhor o que a antropóloga explica, é importante saber que o decreto foi revogado em 1979, período próximo ao fim da ditadura militar. Isso significou mais abertura política e conquista de novos direitos civis, mas não um desenvolvimento imediato do futebol feminino.
Um futebol sexistaA regulamentação da categoria feminina só foi feita quatro anos depois da revogação do decreto. Só que, ao invés de trazer condições melhores às mulheres, as regras estipuladas reforçavam a ideia de sexo frágil. “[No regulamento], o jogo deveria ter 70 minutos e não 90, a trave tinha que ser menor e a bola tinha que ser mais leve”, lembra a diretora.
O que também mostra a desigualdade entre os gêneros no esporte é que enquanto a primeira seleção masculina foi criada em 1914, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) só montou um time feminino mais de 70 anos depois, em 1988.
Só que esse grupo não foi criado para disputar a Copa do Mundo de Futebol Feminino como a conhecemos hoje. O time foi criado para jogar em uma competição mundial provisória, na China, com grandes nomes como Sissi, Pretinha e Michael Jackson. Esse campeonato acabou sendo um molde para a criação da Copa Feminina em 1991. No entanto, as mulheres jogavam em péssimas condições: com uniforme masculino e chuteiras 41 – mesmo que calçassem 36/37.
“Você começa, então, com o futebol feminino com uma história de ciclos de altos e baixos. […] Você não profissionaliza, não paga salário, só contrata por diária ou para um campeonato específico. Você não cria regularidade no calendário, não investe na base”, enfatiza Daniela.
No entanto, a antropóloga é positiva sobre o cenário atual do futebol feminino. Pela primeira vez, os jogos brasileiros da Copa do Mundo de Futebol Feminino serão transmitidos em rede nacional, pela TV Globo. Além disso, Daniela também ressalta como marcas importantes estão investindo na seleção e também na visibilidade do grupo.
Outro exemplo positivo é o lançamento da exposição “Contra-Ataque! As mulheres do futebol”, no Museu do Futebol. Como o nome indica, o intuito da mostra é falar a respeito das dificuldades enfrentadas pelas mulheres em campo e como, mesmo assim, elas têm lutado para chegar no topo – não só com a taça, mas com equiparidade social. A exposição pode ser visitada até o dia 20 de outubro, com ingressos a 15 reais (7,50 a meia-entrada).