13/09/2019 08h06
Por Odil Puques
Dizem que a boa história, o bom causo, o bom conto que se preze, aqueles memoráveis que se contarão por gerações e gerações, nasce com o Era uma vez…
Essa que lhes conto, nasce no entorno do Tereré, esse néctar dos deuses que foi trazido pelos irmãos guaranis, antigos habitantes dessas paragens, composto de água, erva, bomba, cuia, mãos a servir e serem servidas e seres a sorrir, a matraquear, a se reunir.
Em uma modorrenta tarde do dia dezesseis de fevereiro do ano da graça de 2016, entre uma golada e outra, estavam os amigos José Ramão Mariano e Silvio Dutra, relembrando o melhor dos mundos: O lugar onde nasceram. Dizem, ser uma espécie de Shangri-lá; papeiam não raras vezes ser este o centro do universo, onde o Supremo Criador certa feita criou um jardim e, por isso, os seres locais seriam abençoados e bonitos por natureza.
Iam por esse caminho de recordações e exaltação quando iluminou-se a ideia de um, de criar um grupo da chamada rede social, tão em voga em tempos hodiernos, para aproximar e reaver aqueles outros que como eles tiveram o privilégio de ter nascido e vivido naquela localidade e desfrutado os bons momentos. Uma era privilegiada pela infância de pandorgas, bolitas, matinês, varinha colada, passa anel, bola de capotão número 5, banhos em rios e riachos, fanfarra, passista, pastéis na cantina da escola, mais tarde namoricos e a iniciação nas intrincadas artes do amor nas casas de senhoras de aspectos soturnos, que candidamente recebiam os afoitos rapazes sem necessariamente receber pelos serviços prestados, embora ocupadoras da mais antiga das profissões. E assim nasceu o CAV. A nomenclatura abreviada diz de: Conheci Antonia Vera. Porque se imaginou que se fosse mesmo do lugar dito bendito, se passou pelas plagas dos rios Panduy, Passinho, Areião, Joguy, Amambay, que entrecortam o lugar, teria que ter conhecido ou “ouvido falar” da mais famosa dona da região do pau baixo.
Grupos de zapzap existem aos borbotões, mas nenhum se compara ao CAV, com seus cento e sessenta membros, do sexo masculino. Dias desses até cogitaram permitir que as confreiras também pudessem participar, mas a ideia foi abortada quando um menos afoito lembrou que dificilmente, estas hoje avós, poderiam explicar aos seus, quem seria a matrona do grupo.
A iniciar, pelo que se tem notícia, ser o único que tem uma Diretoria composta para zelar pelo cumprimento de certas regras que foram estabelecidas quando as coisas começaram a degringolar com postagens que poderiam desvirtuar os objetivos do grupo. Assim não são permitidas postagens com cenas violentas, ofensivas, pornográficas e/ou que venham a criar constrangimento para qualquer dos Cavianos. Sim, adjetivou-se o participante, se do CAV, Caviano! As penalidades vão da advertência, à suspensão das atividades por sete dias, além do pagamento de cesta básica, sempre destinada à instituição ou pessoa que dela necessita. Basta o desinfelizinadivertidamente colocar no grupo o famoso gemidão, que é desligado temporariamente e deve procurar quitar a dívida para ser reinserido na sociedade. O CAV é também filantropia!!!
A SCCAV – Suprema Corte Caviana – é composta por sete membros, com mandato de um ano, eleita por todos os participantes do grupo; sendo o mais votado o Presidente.*
A expressão mais famosa do vocabulário Caviano é o verbo jaguarar. Jaguara para os fronteiriços pode significar ofensa sem tamanho, digna de ser lavada com sangue ou uma espécie de xingamento carinhoso, a depender das circunstâncias, do ofensor e do ofendido. In casu, quem abandona o grupo com ou sem motivo, automaticamente é jaguara. E se um ou outro jaguarar, o padrinho, aquele que o indicou deve visitar o Deodózio – feliz proprietário do mercado Ki-Bacana onde são adquiridas as cestas básicas – efetuar o pagamento para continuar fazendo parte da seleta comunidade.
Gente há de todas as matizes, credos, cunhos políticos e futebolísticos, poderio financeiro, formação intelectual e cultural.
Um certo Aristeu, denominado Patrola, porque nos tempos em que desfilava seu discutível talento nos gramados ou melhor nos terrões da cidade, patrolava todos os adversários, zagueiro robusto que era, ou é, porque se orgulha de bater sua bolinha apesar dos seus sessenta janeiros, é a grande atração do grupo. Simples no jeito de ser e de falar, zoa e é zoado por toda a turba, sempre enviando áudios que invariavelmente contém seuporra e fiadaputa. De longe o mais querido.
O contraponto às expressões do Patrola ou àquele que se permite xingá-lo, sem ofender, é feito pelo Bugre Amauri, que carrega com orgulho o epíteto, dizendo que Bugre para nosoutros significa, primeiro ser daqui dessa imensa região dos ervais, depois precisa amar a sua gente, seus costumes, sua bóia, suas danças, suas músicas e cultivá-las e a exemplo de outros assim chamados como o finado Nirceu Teixeira, ou o colega Vicente Portilho, sabe que o apelido é para poucos. Amauri e Aristeu oferecem embates memoráveis ao longo dos dias Cavianos.
Novato no grupo, mas não menos destacado, seja pela compleição física visto que nos tempos idos carregava a alcunha de Caveira e hoje graças a dietas na base do ovo com batata e muita puxação de ferro ser um monxstro, o Vagner Godoy proporciona alegria ao grupo quando nos embalos dos domingos noturnos, embiratado, desanda a filosofar e a destilar opiniões diversas sobre os demais integrantes. Tempos desses ofendeu-se porque entendeu ser xingamento a si dirigido quando um dos companheiros disse gostar dele reciprocamente. Disse que recipróca, assim mesmo com acento no “ó” era ofensa para mais de metro e só não daria um podioço no desalentado por encontrar-se a quilômetros de distância, visto um residir na capital do antigo e outro no novo Mato Grosso. Recipróca, já entrou para os anais das ofensas cavianas.
Esse que ofendeu o Caveira com o tal palavrão é o mais novo da turma dos Zain. São quatro irmãos – Jaleil, o Galizé; Alvaro, o engenheiro; Hussein, o Nenê, e Miguel, o Pança – filhos do Quinho, famoso comerciante e ocupante de outros cargos públicos na cidade que lhes falo, que com mais um tanto de sobrinhos, afilhados e aconchavados, se uniram e elegeram o Presidente da Suprema Corte, o renhido Galizé.
Galizé vive no mundo, visto ser vendedor autônomo de frutos do mar; vai e volta à Santa Catarina uma vez ao mês e no trajeto destila sua verve sobre os últimos acontecimentos cavianos atualizando a si e aos outros. É o proprietário da Quarta Mansão, localizada na Capital Morena, onde acontecem as confrarias entre os que lá vivem e entre os visitantes vindos de todos os rincões do país, com a única condição que os convidados precisam levar o comer e o beber, porque dele mesmo não sai nenhuma sardinha frita.
Outra turma ruidosa é a dos Amaral, capitaneada pelo Hélio, sanfoneiro de profissão e delegado aposentado nas horas vagas. Aldo, Valdemar, Edson e Orlando completam a trupe.
Os Mariano também são muitos: Abdo, José Ramão, Salibe, Omar, Nader. Destes todos, um certo Karay – senhor que impõe respeito – está fora de combate do mundo real, mas continua ativíssimo no virtual, inclusive brindou a todos do grupo com a epopeia que narrava uma carreteada saída de Amambai com destino a Nioaque, acontecida nos anos 30, digna de figurar entre os bons causos da literatura sul-mato-grossense.
Escolhido pelos pares militantes da advocacia do seu estado de origem, para desembargar as dores de quem procura o Tribunal Federal sediado em São Paulo, Nerinho era até dias atrás um dos mais assíduos participantes do grupo. Digo era porque pediu afastamento temporário para acabar de escrever suas memórias – o “Che Tiempo Guare” que dizem será um marco, um divisor de águas do que se tem escrito e falado sobre a terra santa. Quem conhece o talento do menino da Argemir para a escrita, espera ansioso o lançamento da obra. Este orgulha a nação do Alto Amambai, pois apesar de lá estar, não esqueceu o cá, valoriza sua gente, sua história, sua cultura.
Nerinho é irmão do robusto Dido, que segundo o Altamir Macaco, adquiriu as protuberâncias ainda na infância quando ficava para si com os pastéis destinados a ele e aos irmãos; Henrique o outro. Feitos pela Dona Calica, a memorável merendeira da escola Felipe de Brum, ditas gostosuras ainda hoje causam água na boca dos estudantes daquela época.
Dois filhos de ex-prefeitos são dos mais espinhezentos. Joel, do Sidney Vargas Batista, é o Véinho Maluquinho, a depender do quão tenha consumido seu sagrado remédio é o tão que incomoda, xinga, chora, pede desculpas, sai voluntariamente do grupo, depois implora por clemência e piedade para voltar porque sua vida só faz sentido se tiver os companheiros cavianos para incomodar. Outro é o homônimo diminutivo do Heron da Rosa Brum. Diz-se dele que foi criado com leite de ama, da Porfíria. Esta o conduzia pelas mãos nas empoeiradas ruas do Patrimônio União, não sem antes lhe pespegar talco pom-pom, cashmere bouquet, gumex nos cabelos e carregar uma indefectível sombrinha para que o inclemente sol não chegasse à pele alva do rebento adotivo.
Se tem advogado, puliça e juiz, há de ter também promotor e prefeito. O escritor José Carlos Robaldo representa aqueles que foram alunos do Walmir da Rosa Peixoto e conquistaram o mundo através do esforço e dedicação. O alcaide atual também é desses, embora não muito assíduo nas conversas. Menino humilde o Luizinho Bandeira, que um dia sonhou ser médico e não só o transformou em realidade como aquele de governar a sua gente, o que não ocorria desde os tempos do grande Pequeno Machado.
Muitos mais hão. Adail, Adê Clóvis, Ademir, Adnan, Adriano, Alan do Tiri e Alan Vieira, Alcibes, Aldinar, Ali, Altair, Andrei, os Mavailler – Antonio, Carlos e Paulo – Aridio, Ariovaldo, Arthur Tulica, Aristides – o Tidinho, Ataíde Puxadinha, Baiuca, Barreto, Beto Soley, Bide, Biro Biro, Bruno, Cabanha, Camelo, Carlão Robaldo, Carlinhos Carvalho e Serejo, Carlos Bauer, Charola, Chico Franco, Sá e Salazar, Claudio Vera, Cleo, Darlan, Décio, Denilson, Deodozio, Dilson, Dirlei, Ditão, Eneas, Enedir, Fernando, o Galizézinho, Flávio Garcia, Gimeli, Glaiton, Guilherme Espíndola, Hélios Machado, Humberto, Huguinho, Issa, Itio, Ivaldino, Jalail – o Fio, Joacir, João Fernandes, João Machado, João Manoel, João Mariano, Joelcio, Joel, Jorge Léo, Jorge Vargas, José Carlos, José Oliveira, Josmar, Junior Palhano, Junior Sá, Juninho Fernandes, Jurandy, Justino, Kikito, Leonardo, Lomanto, Lourenço, Luciano, Lucio Flavio, Luiz Dilmar, Luiz Vieira, Macaco, Maher, Manoel Bugre, Marcelo Manfri, Marcio, Mario Machado, Maurício, Mauro, Miguel Quadra, Murilo, Nelson Galego, Nelson Fernandes, Neuro, Nego, Nelder, Nelson, Neuro, Oldemar, Orestes, Orlando Lopes, Oscar Ferreira, Osmar Martins e Godoy, Parada, Pedro Jobs, Pedro Humberto, Perereca, Propício, Ricardão, Robinho, Ronaldo, Rui Escobar e Cordeiro, Sady, Sgto. Melo, Sonilto, Tarcisio, Tatim, Teixerinha, Telminho, Teobaldo, Tobias, Toninho Adão, Toty, Valmir Boeira, Valter Otaño e Valenzuela, Vande Cícero, Vicente Galceron – o Gal, Vicente Portilho, Vitão, Wilson Gonçalves, Wilsonir, Xavier e o Zé Moreira.
Faltou-nos o Vavi; e que falta nos faz o Vavi. Este nascera prodigioso em simpatia, seguia os passos do pai na profissão de medir terras e da mãe no carisma; recebia-nos para sorver o tereré, contar causos, falar de tudo e de todos. Filosofia, arte, fuxico, política, Morte e Vida Severina e especialmente o futebol eram discutidos a exaustão naquela hora e meia sagrada, antes do almoçar, embaixo do pé de manga localizado na esquina que tinha como sua. Um trágico acidente com seu uno branco, o tirou de nosso convívio. “Adiós meu padrinho de CAV.”
Mas o CAV, existe essencialmente para valorizar a cultura da sua gente, das músicas, dos costumes, da comida. O laço da mãe terra nos une.
Teve um alcaide que a pretexto de reformar a praça central denominada de Valêncio de Brum, mandou jogar fora os bancos cujos encostos traziam a nomenclatura de comércios e seus respectivos proprietários, confundindo-se com a própria história da cidade. Pois por iniciativa de um Caviano, o já citado Miguel Zain, que de Cuiabá moveu céus, terras e até mesmo uma reclamação jurídica junto a Promotoria do Patrimônio Público, os bancos foram resgatados pela atual administração e recolados no lugar de onde nunca deveriam ter saído. O CAV é também resgate da memória e da cultura da nossa gente.
Já vamos para o 4º Encontro dos Filhos e Amigos de Amambai, onde todos poderão rever-se, rever o chão onde nasceram e pisaram por tanto tempo, sendo a ocasião perfeita para se propiciar recuerdos de histórias, estórias, risos e choros que o inexorável tempo insiste em deixar marcado no peito de cada um, a saudade.
Certamente as senhoras esposas não deixarão, mas muitos deles, com os olhos lânguidos para um certo recanto da cidade, gostariam de entrar numa daquelas casas e deixar-se inebriar novamente pela luz vermelha que tantos gostos lhes proporcionaram.