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sábado, 23 de novembro de 2024

A Viagem

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22/05/2020 13h54

Por Odil Puques

“Olha o picolé, creme, quinhento” reberverava um mirrado paraguaizóte, no alvoroço da primeira cidade que não a sua, que o Menino tivera a oportunidade de conhecer. Um mundo de descobertas. A começar por gentes falando em línguas diferentes que não só o guarani já conhecido em casa. O Pai, disse ser linguajar dos turcos e dos japonês, que vieram para a região de fronteira fazer a vida.

A epopeia iniciara muito tempo antes com os preparos para a viagem à Ponta Porã.

Fariam compras e a Mãe iria consultar um conhecido médico, que todos diziam ser o Dr. Astúrio, o único capaz de curar aquela dor nos quartos que lhe perseguia por uma vida inteira.

A calça era a mesma de azul tergal que usava para ir à escola, que não tinha outra e ninguém iria botar reparo mesmo. A camisa, de flanela, multicolorida, que lhe pareceu ser o que tinha visto de mais bonito em sua tenra vida. E mais, com os retalhos do que sobrara da sua veste e emendas de uma peça do vizinho, o irmão também se paramentara e juntos aguardavam ansiosos, o grande dia.

Na véspera, acordou com um grito lancinante que entendeu ser da sua Matilde, como pedido de socorro, acorreu mas nada pôde fazer, eis que jazia pendurada pelas oito unhas e sendo impiedosamente depenada sobre um caldeirão de água quente. Quis chorar, mas a Mãe bondosamente explicou que esse era o melhor dos destinos, servir de matula a quem sempre lhe dedicara carinho e afeto e ainda naquela ocasião tão especial. Quis sofrer, mas o abrasamento do porvir, lhe serviu de consolo.

Subiram no velho Queiróz. O Pai foi cordialmente cumprimentado pelo motorista, o que o encheu de orgulho. Os bancos não eram lá muito confortáveis, mas as janelas…Podia se ver de um tudo naquele imenso caudal de vitrais. Bois, matos, pradarias, rios, pontes, iam passando pelos olhares atentos do Menino e irmão que imaginaram nunca existir tamanha imensidão.

Enquanto matulava Matilde empanada de tortilha e envolta em tantas pelotas de farofas que de nunca lembraria a cacarideira que era, o Menino observava com especial atenção um jovem que viera perfurando os bilhetes que Pai, Mãe, não sem certa galhardia guardavam na bolsilha encomendada na famosa costureira Ilda Galceran.

No subir e descer ao longo do caminho, lá estava o jovem a perfurar o tíquete, receber e voltar os dinheiros que as pessoas lhe iam pagando. Soube pelo passageiro da frente que o ofício era de muita responsabilidade e confiança, pois não era um qualquer que recebia e entregava o exato. Pensou que um dia poderia ser cobrador.

Nas tantas, o buzão, de muitas aventuranças deparou-se com um barreiro, diziam que o chofer tinha vasta experiência em ultrapassá-lo, mas este era dos ferozes, visto que o mundo havia desabado dias antes e o lugar antigo de um banhado virara um lamaçal só. Mas tinham que chegar e láifoi o Queirozão enfrentar seu destino: ficou no quase. O resto da ultrapassagem o Pai e tantos outros fortes, tiveram que ajudar no muque.

Superando os trancos e barrancos chegaram no ponto de parada obrigatória. O Ponto Alto. Alvissararia total. Para todo o sempre o Menino guardará na lembrança aquele gosto da Soda Limonada Gini, que gentilmente o botequeiro furava a tampa com um prego e servia aos fregueses com o pastel de carne mais carnudo que podia haver.

Viram o Astúrio, compraram prendas, um rádio atlas, tecidos a não mais poder, perfume e um esmalte coloral para a mãe, bola de capotão número 4 para o Menino e um fusca azul para o irmão e ainda tinham que correr e para não perder o ônibus da volta, às 16. Em ponto.

  • O que diz este Menino, Pai?

  • Que o picolé, é de creme e custa quinhentos mil guaranis.

É caro? Podemos?

  • Podem. Podem tudo, que o mundo é daqueles que um dia vão poder contar que o picolé de creme é o melhor que há.

Odil Puques é advogado, escritor e incentivador do esporte em Amambai

Acervo - Expresso Queiroz

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