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sábado, 16 de novembro de 2024

Em Amambai, Festa do Cajado celebra a vida, a amizade e a cultura fronteiriça

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Permeada de simbolismo e mística ancestral, a Festa do Cajado é, antes de tudo, uma celebração da vida e da amizade entre os filhos e amigos de Amambai. A ideia teve início a partir de uma situação dramática passada pelo amambaiense Abdo Mariano, acometido pela COVID 19 no final do ano de 2020. Na festa, Abdo homenageia pessoas que se fizeram presentes, física ou espiritualmente, no seu período de internação.

Amambai (MS)– Foi por pouco que o cidadão amambaiense Abdo Mariano, no final de 2020, não teve seu nome incluído na extensa lista de mais 700 mil brasileiros mortos por Covid-19. Foram mais de 30 dias de internação, a maioria em Unidade de Terapia Intensiva, e nove dias entubado. Com a gravidade da infecção, que tomou mais de 90% da capacidade pulmonar, as chances de recuperação eram pequenas.

Durante todo o processo da doença e da recuperação, alucinações decorrentes dos efeitos dos sedativos e talvez até revelações metafísicas do estado de quase morte, fenômeno já documentado pela medicina, proporcionaram a Abdo Mariano uma viagem fantástica com lembranças e sensações que o remetiam à região de Amambai: amigos de infância, familiares e companheiros de trabalho, todos envoltos em eventos e tramas em um verdadeiro filme da vida.

A experiência vivida por Abdo Mariano retrata um sentimento conhecido por todos que possuem laços de afetividade com sua terra natal, amigos e familiares. Esta amorosidade possibilita uma sustentação espiritual e material; como a ovelha, que mesmo na noite mais escura confia no pastor com seu cajado para encontrá-la e revolvê-la ao rebanho, este laço com a terra natal garante amparo e fraternidade ao cidadão em um momento de maior aflição, sabendo que pode contar com seus amigos.

O valor de uma amizade

São milhares as reflexões sobre o valor de uma amizade. Quase 50 anos antes de Cristo, Cícero (Marco Túlio Cícero – 106 a.C./43  a.C.)disse: Viver sem amigos não é viver. Há mais de 200 anos, Voltaire (pseudônimo de François-Marie Arouet– 1694/1778) refletiu: Todas as grandezas do mundo não valem um bom amigo.

Foi a amizade a fonte de inspiração de Abdo Mariano na concepção da Festa do Cajado. Igor Mariano, filho de Abdo, relembra que, com a gravidade da doença, uma corrente de amigos e familiares se juntou em orações e, por meio de mensagens gravadas em vídeo, enviaram vibrações positivas que fizeram a diferença no processo de recuperação de seu pai. Foi com essa inspiração que Abdo concebeu a Festa do Cajado.

“Nesse período de internação, tive momentos de muita visão de coisas e pessoas, umas conhecidas outras não, umas falecidas outras não. Então, após ter melhorado, recuperado a saúde na sua totalidade, resolvi fazer homenagem às pessoas que me cuidaram e também àquelas que tive envolvimento nos momentos de minhas visões”, afirma Abdo. 

“Meu pai fez uma viagem fantástica com lembranças e sensações que o remetiam à região de Amambai: amigos de infância, familiares e companheiros de trabalho, todos envoltos em eventos e tramas em um verdadeiro filme da vida”, ressalta Igor.

O cajado

Na Festa do Cajado, Abdo Mariano homenageia pessoas que estiveram envolvidas com ele, física e espiritualmente, no período que esteve hospitalizado tratando da doença.

A homenagem é feita através da entrega de um cajado feito com madeira da mata local (já derrubada pelas intempéries do tempo), que simboliza a empatia e solidariedade recebida por Abdo de amigos. O encontro se tornou um verdadeiro congraçamento à vida e a amizade, e já está em sua segunda edição. Neste ano foram duas noites e um dia inteiro de festas. 

O cajado era um instrumento que ajudava o pastor a manter as ovelhas pelas trilhas seguras da caminhada. Se uma ovelha se afastava das outras na caminhada ou estava andando muito próxima dos precipícios, o pastor esticava o cajado a fim de ajudar a ovelha a seguir segura por este trecho do caminho.

Em Amambai, Festa do Cajado celebra a vida, a amizade e a cultura fronteiriça
O casal Altair e Edite de Lima, homenageados com o Cajado, e Abdo Mariano (D).
Foto: Divulgação

A Festa

Mais de quarenta pessoas já receberam a honraria nas duas promoções festivas, realizadas no sítio Duas Netas, de propriedade do casal Abdo Mariano e Olga Tobias Mariano, localizado na beira do rio Japé, município de Amambai.

A primeira aconteceu em junho de 2021 e a segunda nos dois primeiros dias de julho deste ano.

Além da entrega do Cajado, celebrando a continuação da vida, o casal Abdo e Olga aproveita a ocasião para reunir familiares e pessoas do convívio próximo proporcionando momentos agradáveis de convívio social nas áreas espiritual, cultural e gastronômica.

Na programação deste ano constou a roda de causos, dedicada às histórias e estórias do povo de Amambai, cheias de personagens caricatos e acontecimentos maravilhosos e hilários trazidos da memória por ilustres representantes da comunidade.

Também uma caminhada iniciada na Figueira (ponto localizado a 20 km de Amambai, na estrada que liga a cidade a Caarapó) e encerrada no Sítio Duas Netas, além de declamação de poesia por Cacildo Vieira.

Como não poderia deixar de ser, e este é também objetivo da iniciativa, o melhor da cultura fronteiriça se materializou com as comidas da região e músicas típicas. Neste ano, os violões de Carlos Arteman – que também levou seu bandolim – e de Robert Vieira, o violino de Jurandir Ramos, a harpa paraguaia e o acordeom do jovem músico Eduardo Henrique Martins Vaz e o acordeom de Rubens Cavalheiro Tobias se destacaram na programação. As polcas e os chamamés foram um verdadeiro deleite para os amantes da cultura da fronteira.

2024

E a Festa do Cajado vai continuar, é o que dizem os organizadores; como não haveria de ser diferente dado o sucesso do evento. Para o próximo ano, a ideia é dar um formato ligeiramente diferente – os homenageados dos anos anteriores, que hoje formam a Confraria do Cajado, é que serão os responsáveis pelas indicações e aprovações dos novos agraciados. Segundo Abdo Mariano, o Cajado é um símbolo de fé, de liderança e de unção, sempre haverá homens e mulheres dignos para recebê-lo.

A promessa é que festa deverá ser como sempre:  um momento de culto à vida e à amizade, de enaltecimento da tradição e da cultura sul-mato-grossense da fronteira.

Homenageados na Festa do Cajado 2023

Rafael Zaim Delgado

Omar e Rosa Mariano

Igor e Geise Mariano

Miguela Saldanha Chaves

Sophia Caroline Mariano

Adeide Mariano

Elida Vieira Mariano

Giorgina Vieira Mariano

Alencar Fernandes Antunes

Marizete Mariano

Olga Tobias Mariano

Altair Pereira de Lima

Paulo Pereira

Pr. Ataliba Albuquerque

Pr. Aldair Lucas

Pr. Denny Helder

Argeu Hersting de Almeida

Jacques Oliveira Buss

José Magnete

Dorival Antunes Vieira

Josias Almeida Antunes

Jamile Mariano

Eurico Mariano

João Mariano

Anita Lopes

Reilde Ribas

Tercio Waldir Vilarinho Albuquerque

Elza Vieira Tobias

Cacildo Vieira Soares

Pedro Couto

José Carlos Monteiro

Elcidia Lopes Santana

Carlos Arteman

Odil Puques

Conheça dois causos contados na Festa do Cajado

Igor Mariano, filho do anfitrião, iniciou a rodada de causos contando um episódio em que foi instado pelo pai a apoiar uma viúva amambaiense que acabara de perder o marido, falecido no Hospital das Forças Armadas em Brasília. Mesmo sem conhecê-los pessoalmente, Igor não poupou esforços para garantir o rápido translado do corpo para o Mato Grosso do Sul, circunstância em que chegou a se identificar como sobrinho do morto para facilitar os trâmites de reconhecimento e encaminhamentos necessários. Nas palavras de Igor Mariano, essa história ilustra o espírito da Festa do Cajado, demonstrando que um amambaiense nunca estará sozinho, em qualquer lugar do mundo, se lá estiver também um conterrâneo seu. 

João Mariano conta que, quando rapazote, ele, o Olacir Belmonte, o Eurico Mariano e o Dinho Belmonte foram para a zona do pau baixo e que o medo deles era encontrar com a Patrulha. Logo que chegaram, apareceu a Patrulha. Assim que os soldados entraram no ambiente, foi perna pra quem te quero, cada um correu pra um lado. João lembra que estava com sapato do seu pai, sapato preto, lustroso e grande pra ele e precisava colocar papel nas pontas dos dedos para firmar os pés. Com o susto, cada um delessaiu para um lado. Na época, tinham as casinhas de madeira para fazer as necessidades fisiológicas e, quando enchiam os buracos, faziam nova casinha e ficavam os buracos. Na correria, João Mariano afundou num dos buracos tendo que tirar o sapato um dos sapatos.  Ao chegar em casa sem um pé de sapato, com a perna suja de merda teve que ir pra trás da casa pegar uma mangueira e jogar água para limpar o corpo e o sapato. Um dos companheiros não pisou na fossa, mas teve arranhões quando foi passar por uma cerca de arame farpado. Quando entraram em casa, a mãe perguntou: onde vocês estavam? Estávamos brincando de salva na praça.  Não teve jeito, a mentira não colou, entraram no coro. 

Fonte: José Luiz Moreira e Viviane Viaut

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