Exposição está no Centro Cultural da Caixa, no Rio de Janeiro
O jornalista e antropólogo, Bruno Albertim, curador da exposição Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, conta que o artista preenche os espaços “brancos perversos da história”, nos quais rostos e corpos pretos ao longo do tempo sempre eram retratados como objeto ou na visão do homem, dito branco e com acesso aos códigos europeus, mas que nunca tiveram autonomia para se retratar. A mostra está montada no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro.
“A pintura de Jeff é uma pintura etnográfica, no sentido mais orgânico do termo, porque ele conhece muito bem essas pessoas que estão retratadas aqui. Ele é um pintor extraordinário. Tem um domínio de luz absurdo, do jogo de claro e escuro. Traz a dramaticidade das figuras e também o frescor da cultura pop”, apontou.
A história do curador com o artista começou quando se conheceram na Casa Estação da Luz, em Olinda, Pernambuco, um espaço cultural que pertence ao cantor e compositor Alceu Valença. Antes disso, Albertim já vinha notando que Jeff tinha aparecido de forma marcante na cena contemporânea de Recife.
“Há dois anos comecei a ouvir falar no nome dele e de umas obras sempre de maneira espalhada. Procurei conhecê-lo e me apresentei em Olinda, coincidentemente, na Casa Estação da Luz”, revelou à Agência Brasil.
No encontro, Albertim contou ao artista que já tinha um trabalho muito maduro e uma unidade de discurso que estava espalhada pela cidade. Ele sentiu que aquele era o momento para montar uma exposição individual e, dessa forma, pela primeira vez, o público pôde ver um conjunto das obras do artista, na Casa Estação da Luz.
“Foi um sucesso, no sentido mais sincero da palavra. Muita gente foi e a mídia de Pernambuco recebeu de maneira muito espontânea, criou uma ressonância no trabalho de Jeff.”
A partir daí Jeff venceu um edital da Caixa e montou uma exposição, desta vez no Centro Cultural da Caixa, em Recife. Durante pouco mais de dois meses a mostra recebeu 85 mil pessoas.
“O que confirma não apenas o grande talento individual do artista Jeff Alan, mas a importância desse discurso visual que ele traz nesse momento”, apontou.
Para Albertim, a exposição se insere em uma tradição artística muito forte em Pernambuco. O modernismo pernambucano é muito marcado pelo figurativismo, pelo retrato de pessoas, pela retratação de paisagens não apenas como elemento geográfico, mas como extensão de uma subjetividade coletiva.
Segundo o curador, nos anos 1960, Rio de Janeiro e São Paulo concentraram a arte com o concretismo e experimentações de novas estéticas.
“Pernambuco, por ter ficado perifericamente ao sistema de arte do Brasil, mais poderoso do ponto de vista financeiro, se manteve fiel a este aspecto do figurativismo. Jeff retoma esse figurativismo, mas com uma inversão muito forte no olhar”, disse.
O curador destacou que durante muito tempo a arte ao redor do mundo valorizava a figura do homem branco e isso acabou se tornando “interesses ou verdades universais”.
Atualmente, conforme destacou, um grande figurativismo preto emergiu: “é o caso aqui no Brasil e em Pernambuco de Jeff Alan, que tenho certeza é, não só um dos nomes mais fortes de Pernambuco, onde já está consolidado, mas do Brasil.”
Albertim destacou ainda a representatividade na arte de Jeff, como se pode notar no quadro com a figura da modelo baiana Ivana Pires, que faz carreira ligada a grandes marcas da moda mundial.
“A Ivana é a própria Ivana, mas é também as mulheres que a antecedem. Várias delas, que foram obrigadas a se tornar anônimas e tiveram rostos, nomes e sobrenomes amputados, decepados da história. O povo preto no Brasil não teve ainda o pleno direito à construção de memória. Os brancos – e pelo amor de Deus, aqui não vai nenhum ativismo do ponto de vista racial – têm tido o privilégio histórico de prantear os seus antepassados, seu bisavô, seu tataravô. Um homem preto da minha idade – tenho um pouco mais de 40 anos –, dificilmente sabe quem foi seu bisavô, porque os registros foram apagados. Essa pessoa sequer tem digitais”, observou.
“Ao trazer o retrato, a figura desses personagens pretos e periféricos, que infelizmente no Brasil ainda são sinônimos, para o centro não só na tela, mas para lugares que socialmente ou historicamente lhes são negados, ele traz o indivíduo e toda a sua ancestralidade e a promessa dos que nos suscederão”, completou, acrescentando que essa é uma exposição individual, mas extremamente coletiva por retratar os personagens pretos.
Pertencimento
O historiador Renan Freira Guimarães, 27 anos, trabalha no Centro Cultural como mediador para orientar os visitantes, inclusive guiando o público dando informações sobre as obras. Ele já tinha visto as obras do artista de Recife em uma publicação no perfil de Jeff no Instagram para divulgar a exposição. Renan contou que o seu conceito sobre as obras mudou muito quando conheceu o artista pessoalmente.
“A chave que mudou a minha percepção foi conversar com o Jeff, dele chegar aqui e fazer questão de apertar a mão de todo mundo, falar com todo mundo, se apresentar. A primeira coisa que ele falou foi ‘meu nome é Jefferson, estou tentando resgatar esse Jefferson menino antes desse Jeff artista. Isso já me gerou um interesse. Já em um ‘oi’ ele chegou com profundidade e aí foi falando da relação que tem com as pessoas que ele pinta”, contou à reportagem da Agência Brasil.
Renan gostou de saber também da relação que Jeff mantém com o bairro do Barro, na zona oeste de Recife, onde nasceu, cresceu, vive e tem atelier de pintura.
“Ele não saiu de lá e pinta as pessoas de lá. Em cada quadro ele traz uma trajetória, uma história e como essa trajetória ali gravada na tela é importante não só para a pessoa que está sendo representada, mas para outras pessoas que se sentem parecidas também. Acabou que esta exposição começou a se tornar muito importante para mim.”
A característica de retratar pessoas com expressão séria também impressionou Renan. “Liguei muito com as ferramentas que eu utilizo nos meios sociais para poder viver enquanto pessoa preta, que é de estar sempre fechado, de ter essa armadura. O próprio sangue nos olhos que ele traz também, esse caminho vermelho difícil que a gente trilha e da própria vontade de não mais querer trilhar esses caminhos, que aí já vem a parte do azul que ele traz que são os sonhos. Isso mexeu demais comigo”, afirmou.
O historiador, que é negro, se sente representado nos trabalhos de Jeff Alan. “Com certeza, desde a conversa que tive com ele, essa identificação com os quadros ficou muito mais forte. Eu gosto muito mais dessa obra mais recente – Coragem. Tem uma também lá no cantinho que é a única com uma pessoa sorrindo, diferente de todas. Eu gosto muito. Meu objetivo na vida é não precisar mais usar estas ferramentas de proteção [rosto fechado]”, contou, indicando as preferências entre as obras.
Visitante
O engenheiro mecânico Cláudio de Paula, 66 anos, foi à exposição após receber a dica da filha Narelle Nicolau de Paula, também engenheira. Ficou tão ansioso em conhecer a mostra que aproveitou o horário de almoço para visitar a exposição, já que trabalha no prédio em cima do Centro Cultural da Caixa.
“É um trabalho muito bonito e, com certeza, minha filha vai adorar porque ela luta bastante pelas mulheres negras, para que todas tenham espaço para se expressar. Ela vai adorar esta exposição. É difícil a gente ver tantas expressões que são familiares, que nos lembram as nossas expressões e as expressões dos nossos pais, dos nossos ancestrais”, disse à Agência Brasil, acrescentando que voltaria à tarde com a filha.
“A dica dela foi excelente, então vou voltar para visitar com a exposição guiada que talvez seja elucidativa de cada um dos quadros”, concluiu.
Fonte: Cristina Indio do Brasil – Agência Brasil