02/12/2016 16h22
Por Vitor Hugo Rinaldini Guidotti
Nasci, cresci e moro em Amambai. Ao longo da minha vida, especialmente na infância e juventude, fui apaixonado por esportes que não têm grande aceitação ou que agrada a maioria das pessoas. O basquetebol, handebol e até mesmo os videogames, que hoje proporcionam os chamados e-sports, competições de jogos eletrônicos, fizeram parte dos meus dias vividos neste município.
Embora a escolha de qual esporte praticar seja algo eminentemente pessoal e que não traga prejuízos ou desrespeito a outras pessoas, não foram poucas as vezes que meus amigos e eu fomos discriminados pelos jogos que jogavam. No caso do basquetebol, no ensino médio, principalmente, fomos muitas vezes relacionados à falta de masculinidade por outros garotos pelo motivo de simplesmente gostar do esporte, indicando uma consciência machista que impregnava os espaços escolares e não escolares – pelo jeito chutar uma bola ao invés de arremessá-la, para alguns, eram critérios para a definição de sexualidade. Quanto aos videogames, vigora desde meus 10 anos o discurso de que este tipo de jogo incita a violência e pode ser a justificativa para atos sanguinários, uma espécie de julgamento baseado num simplismo antagônico, visto que muitos daqueles que reproduzem este julgamento assistem filmes em que a violência é a temática principal, e nem por isso se tornam estripadores ou terroristas.
Para frustação dos que correlacionam os esportes mencionados com condutas sociais, não me tornei afeminado ou homossexual (embora, é preciso registrar, tais características merecem todo o nosso respeito e a homofobia deve ser combatida) nem serial killer. Porém, dessa experiência que tive creio que é possível um aprendizado. Como nos ensinou Charles Wright Mills, sociólogo estadunidense, “muitos dos nossos problemas pessoais devem ser entendidos em termos de questões públicas”, isto é, atribuindo-se um pouquinho do que ele disse, talvez seja possível afirmar que este tipo de discriminação que ocorreu aqui na nossa cidade tenha relação com as ações – ou a falta delas – do poder público.
Ora, não é de hoje que aqueles que administram o município tendem a dedicar esforços apenas aos esportes mais aclamados pela massa. As verbas públicas que são destinadas às competições de rodeio e laço comprido, incluindo eventos alusivos à cultura a qual o esporte compõe, como a Expobai, ultrapassam, e muito, o investimento somado de esportes como o basquete, handebol e o voleibol. Vários campeonatos de futsal e futebol são organizados pela prefeitura. Porém, para os outros esportes, ou os esportistas se sujeitam à penosa atitude de implorar mínima atenção por parte dos governantes, ou ficam à beira da sarjeta do ginásio de esportes lamentando o descaso.
O que quero dizer é que, incontestavelmente, alguns esportes têm mais valor que outros para os nossos representantes, e isto, de fato, contribui para criar um imaginário de ilegitimidade perante outras modalidades. Temos então a comprovação de como a discriminação esportiva se torna institucional, praticada pelos órgãos públicos e naturalizada como uma escolha de investimento que agrada a todos. Em que pese de modo indevido a noção de que o futebol, o rodeio e o laço comprido agrade maior numero de pessoas, é importante lembrar que a democracia não é, simplesmente, a vontade da maioria.
A questão é que ao fim deste turbulento 2016, os amantes de mais um esporte marginalizado em Amambai estão sentindo a ênfase do descaso e da discriminação esportiva. Ficamos sabendo – nada oficial, porém, muito óbvio – da triste notícia de que o campeonato de handebol, “Jarbas de Oliveira Buss”, que deveria ocorrer todo o ano, não terá a sua oitava edição (considerando apenas as edições recentes). E mesmo que não agrade as autoridades, o fato é que já adentramos no último mês do ano e as inscrições sequer foram abertas, ou seja, por parte da prefeitura ele não ocorrerá. Todavia, outros campeonatos de outros esportes ocorreram ao longo do ano, de iniciativa pública municipal, sem que secretário ou prefeito pestanejassem ou hipoteticamente impedissem os eventos esportivos por um possível argumento de falta de verbas.
Se o campeonato ocorrer ainda neste mês, será pela iniciativa dos próprios jogadores e apreciadores do handebol do município, sem ajuda alguma dos que deveriam se ater ao fato de que esporte não se resume em duas ou três modalidades.
Salienta-se que nos últimos “Jarbas” tivemos em média a participação de seis times composto por 12 integrantes, ou seja, são 72 esportistas que perdem o único momento competitivo, além daqueles que apreciam o esporte e prestigiam os jogos. Além disso, o município também sai perdendo: desmonta-se o único evento de handebol que poderia incentivar o esporte e, quem sabe, fazer surgir grandes estrelas que comporiam o cenário nacional/internacional. Não se trata de utopia, mas de uma simples analogia com o que acontece em outras modalidades, inclusive com o vôlei amambaiense, dado os acontecimentos recentes.
Neste sentido, por mais que respeitemos todos os esportes, inclusive de interesse mais geral, fica nosso repúdio ao descaso e à discriminação esportiva perpetrada neste momento. Esperamos, para além de posições políticas e partidárias, que os novos representantes escolhidos tenham um pouco mais de sensibilidade e entendam que a diversidade dos esportes também compõe a cidade crepúsculo.