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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O Direito de Duvidar

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Artigo de Vitor Guidotti

O abuso sexual infantil é algo tremendamente bárbaro, imagine seu filho sendo tocado por um estranho com más intenções, isso deve arrepiar qualquer pai de família. Um crime assim é castigado severamente, seja judicialmente, seja dentro da prisão, e todos sabem o que acontece dentro da cela com criminosos que praticam essa feitoria. E o que acontece nos bastidores da justiça nem sempre é visto como algo terrível pela sociedade, algumas frases como “ele merecia” não são difíceis de escutar quando noticias dessa natureza torna-se de conhecimento pela população.

Mas existem outros tipos de abusos que as crianças estão expostas a sofrer? Na opinião de Richard Dawkins, a resposta é “Sim!”, e esse abuso é cometido pelos próprios pais. O abuso psicológico infantil é algo que ocorre em todo o mundo. Trata-se da moldagem do pensamento das crianças pelos seus pais. E essa moldagem tem o ponto mais forte e prejudicial se tratando da religião.
Quando crianças, temos nossos pais como nossos protetores, aquela fuga para os nossos problemas. Isso se deve a um fator biológico. Obviamente, iremos acreditar e confiar em tudo o que nossos pais dizem, não importa sobre qual assunto.

O problema é quando passamos a acreditar em algo, e a nossa concepção das coisas serem ceifadas por idéias expostas (impostas) para nós quando pequenos e despreparados para formarmos uma opinião sobre assuntos complexos. As crianças de hoje (para não dizer de sempre) perderam o direito do entendimento por seus pais enraizarem idéias em suas jovens mentes, forçando a aceitar as coisas “tal como elas são”. Além disso, existe um agravante, qual seja, o problema de negar aos filhos o direito de duvidar, o direito de buscar o entendimento das coisas por conta própria, a partir da experiência que vem junto com o desenvolvimento intelectual e cognitivo de toda e qualquer pessoa. A dúvida sobre a origem de tudo realmente é o que mais sofre com isso, por nossos pais nos ensinarem que é errado duvidar de Deus. O pai da psicanálise, Sigmund Freud, em seu livro O Futuro de uma Ilusão descreve a difícil missão de colocar em dúvida questões pertinentes a Deus e à religião. Segundo o autor, nós crescemos acreditando por que:

“Em primeiro lugar, os ensinamentos merecem ser acreditados porque já o eram por nossos primitivos antepassados; em segundo, possuímos provas que nos foram transmitidas desde esses mesmos tempos primevos; em terceiro, é totalmente proibido levantar a questão de sua autenticidade. Em épocas anteriores, tal presunção era punida com os mais severos castigos, e ainda hoje a sociedade olha com desconfiança para qualquer tentativa de levantar novamente a questão”.

Devemos admitir, não acreditamos na bíblia, ou em algum deus porque buscamos isso, mas sim, porque fomos ensinados a acreditar nisso. Sigmund Freud afirma que: “As idéias religiosas são ensinamentos e afirmações sobre fatos e condições da realidade externa (ou interna) que nos dizem algo que não descobrimos por nós mesmos e que reivindicam nossa crença”. Posso estar errado, mas nunca vi uma criança ter interesse em ler a bíblia, ou alguma teoria cientifica, se não tivesse sido influenciada pelos pais.

Seria radical impedir os pais ensinarem a sua religião para seus filhos? Certamente a idéia não é essa, mas sim expor as crianças os dois lados da moeda de forma justa. Pois é comum vermos pais dizendo que a verdade literal esta sim descrita na bíblia, e a evolução é apenas uma teoria criada pelo homem, e pode estar errada. Porém Dawkins escreve no seu livro O Gene Egoísta que: “Hoje, a teoria da evolução está tão sujeito a dúvida quanto à teoria que a Terra gira em torno do Sol”. Não tenho interesse em dizer que a evolução é a única teoria a ser considerada, mas cabe às crianças decidirem se ela é correta ou não, sem influência dos pais, quando sentirem necessidade de debater sobre o assunto. Richard Dawkins em Deus, um Delírio descreve uma forma justa para com os infantes quando se trata de crer ou não na religião:

“Se depois de ter sido expostas de forma justa e adequada a todas as evidências científicas elas crescerem e decidirem que a Bíblia diz a verdade literal ou que o movimento dos planetas governa suas vidas, é direito delas. O essencial é que é direito delas decidir o que pensarão, e não dos pais de impô-lo por force majeure”.

Devemos nos questionar se seria frustrante para um pai ter de repassar algo contrário à ideologia que ele construiu ao longo da sua vida? O que ele poderia estar contribuindo para a formação moral do seu filho realizando tal ação? O que futuramente poderia acontecer com crianças que não tiveram o direito de questionar é um dos temas debatidos pelo filósofo Daniel Dennett, em seu livro Quebrando o Encanto: A religião como fenômeno natural, nos esclarece sobre esse impasse familiar:

“Existem muitas evidências de jovens que voltam as costas para suas tradições religiosas depois de anos de imersão, afastando-se com um dar de ombros e um sorriso, sem qualquer efeito maléfico visível. Por outro lado, algumas crianças são educadas em tal prisão ideológica que se tornam dispostas a se tornar seus próprios carcereiros, proibindo a si próprias qualquer contato com idéias liberadoras que poderiam muito bem mudar-lhes a cabeça.”

Acredito que os pais que realmente confiam que é verídica a concepção sobre a existência de deuses e os seus trabalhos em prol da criação tudo, se é plena a convicção que seria impossível uma explicação cientifica derrubar nossos credos, não seria uma missão suicida para as religiões ensinar a explicação com base cientifica para os pequenos. Daniel Dennett ressalva:
“A idéia de insistir em que devotos de todos os credos devam encarar o desafio de ter certeza de que seu credo é meritório, atraente, plausível e cheio de significado o bastante para resistir às tentações de seus concorrentes. Se você tiver de ludibriar – ou vendar os olhos – de seus filhos para garantir que eles confirmem sua fé quando forem adultos, sua fé deveria se extinguir.”
Mas para esse o problema a bíblia é “preparada” com algumas pregações. Em SALMOS 14, podemos entender como o cristianismo condena aqueles que não acreditam em Javé. Nada mais apelativo do que dizer que questionadores desse ponto são pessoas do mal, pessoas que são injustos e outros vários insultos para aqueles que não possuem a mesma compreensão que os seguidores da bíblia. Passagens neste livro dessa natureza mostra como o direito a dúvida (nesse ponto seja de um adulto ou de uma criança) é severamente castigado e pré conceituado, demonstrando o teor absolutista que essa religião deseja impor.

A tentativa de expor idéias para modificar o modo de educar a futura geração não tem como meta promover o crescimento do ateísmo, mas sim propor uma mudança familiar educacional para mostrar as crianças que a pratica da dúvida é crucial para um desenvolvimento ético e moral de qualidade, e maximizar o ponto principal, desenvolver o pensamento individual desde a infância, impedindo a forte influência de idéias religiosas estagnadas e repassadas pelas gerações sem quase nenhuma modificação significativa, afirmações repassadas com forte indicio de deveres e obrigações que caso contrariado, o questionador será avisado (alertado) que sofrera eternamente queimando nas chamas do inferno. Idéias que foram disseminadas por pais que também sofreram do mesmo fato quando crianças, idéias que são muito duras de lidar quando ainda se está em uma fase da vida que se questiona como o “bom velhinho” vai descer da chaminé.

O autor é acadêmico de curso de Administração de Empresas.

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