24/04/2019 19h38
Por Fausto Matto Grosso
O mundo tem assistido, atônito, uma sequência de desastres “naturais” e de
infraestrutura.
São furacões, tsunamis, deslizamentos de terra, incêndios florestais e inundações. São
pontes, viadutos, barragens, edifícios e tantos outros que vão entrando em colapso.
Também na área de alta tecnologia podem ser citados os recentes acidentes com os
aviões Boeing 737 Max 8. Estávamos ainda lamentando pelo incêndio do Museu Nacional,
quando somos surpreendidos pelo incêndio da Catedral de Notre Dame.
Segundo alguns autores, vivemos hoje uma sociedade de risco. De acordo com o
sociólogo britânico Anthony Giddens, uma sociedade de risco “é uma sociedade cada vez
mais preocupada com o futuro, o que gera a noção de risco”.
Ulrich Beck aponta que toda ação humana, neste mundo desequilibrado, implica em
riscos que podem superar os aspectos positivos buscados.
Esses, cada vez mais, estão fugindo do controle das instituições sociais. É preciso
retomar as rédeas, apela Maria Fernanda Espinosa Garcés, presidente da Assembleia
Geral da ONU: “temos a ciência, a tecnologia e ferramentas nas mãos. É preciso conectar
o tempo da política com o tempo da natureza”.
Na época em que vivemos, o meio ambiente está em profunda transformação. As
mudanças climáticas implicam em alterações das temperaturas, no regime pluvial, na
trajetória e velocidades dos ventos. As obras sofrerão a ação desses fatores, praticamente
incontroláveis. O tratamento desses fatores usa padrões estatísticos, portanto sempre
poderão ocorrer episódios atípicos não previstos.
Os projetos da obra podem contar atualmente com importantes ferramentas de
análise estrutural. Entretanto, para alimentar seus algoritmos, estará a pessoa humana,
mais ou menos preparada e responsável. Aqui, também se manifesta, muitas vezes, uma
inadequação na utilização da Lei das Licitações quando os projetos são avaliados por seus
preços. Um projeto mais barato pode, eventualmente, significar uma obra mais cara e
insegura.
A execução das obras é um momento altamente preocupante. É a esfera onde se
manifesta mais a lógica do lucro. Substituições de materiais especificados, por outros de
menor qualidade, são comuns bem como a pressão sobre o tempo de execução. Por
último, é preciso levar em conta que, após a conclusão, as construções sofrerão a prova
do tempo. Todas começarão a fenecer. Não existem obras eternas, o desgaste é
inexorável. É quando surge o desafio da manutenção, para controlar o risco. Nas grandes
obras, normalmente é onde surge a responsabilidade do poder público. Manter custa caro,
mas não gera reconhecimento político e administrativo.
Entre as responsabilidades do calculista, do executor e do mantenedor é onde,
normalmente, após os acidentes, surgem as narrativas contraditórias.
Cito um caso histórico e paradigmático – o desastre, em 1971, do Pavilhão de
Exposição da Gameleira (Belo Horizonte), projetado por Niemayer, que se encontrava no
exílio. Este evento levou à prisão, por dois anos, do calculista Joaquim Cardoso, o grande
parceiro de Niemayer, que a ele se referia como o brasileiro mais culto que existia.
Cardozo era engenheiro estrutural, poeta, contista, dramaturgo, professor universitário,
tradutor, editor de revistas de arte e de arquitetura, desenhista, ilustrador, caricaturista e
crítico de arte. Após as apurações ficou provada a inocência de Cardozo, a condenação
das construtoras e do Governo de Minas, cujo governador pressionava pela conclusão da
obra antes do fim do seu mandato.
Por fim, como alerta o Professor Marco Aurélio Nogueira, o mundo não está
acabando e precisamos olhar além das desgraças cotidianas. Temos de aprender a
conviver com os riscos típicos da “sociedade do risco”, que são complexos, multifatoriais e
proveem da estrutura da vida.
Para Fernando Pessoa, “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas
na intensidade com que elas acontecem”.
Fausto Matto Grosso, engenheiro, professor aposentado da UFMS.