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sábado, 23 de novembro de 2024

MEGASENA DA VIRADA

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26/12/2019 10h46

MEGASENA DA VIRAD

Fonte: Por Fausto Matto Grosso

Amambai (MS)-As loterias são jogos de azar, ou seja, para que um tenha sorte, todos
os outros têm que ter azar. Eis uma bela metáfora sobre a sociedade.

A loteria teria surgido na Babilônia de Nabucodonosor II. O imperador,
um personagem do Primeiro Testamento, era dado a ter sonhos cujo
interprete era o profeta Daniel. Certa vez o sonho avisou que ele teria uns
tempos de maluco beleza o que, de fato, aconteceu.

Por ser um assunto importante, trataram de loterias os intelectuais Jorge
Luís Borges e Zigmunt Bauman e até os malucos belezas Raul Seixas e
Paulo Coelho

Pelo conto de Borges, fica-se sabendo que a loteria na Babilônia era um
jogo de caráter plebeu. Comprava-se dos barbeiros, em moedas de cobre,
retângulos de osso ou de pergaminho adornados de símbolos. Quando dos
sorteios, os contemplados recebiam os prêmios em moedas de prata.

Depois de certo tempo, essas "loterias" fracassaram. A sua virtude
moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente
à sua esperança.

Adveio então uma reforma: a intercalação de alguns números adversos
entre os números favoráveis. Os números de azar poderiam conduzir o
apostador ao pagamento de uma multa, à prisão ou até a mutilação de algum
dedo. Mediante essa reforma, os compradores expunham-se ao duplo risco
de ganhar ou ser castigado, ou seja, às vicissitudes do terror e da esperança.
Esse perigo despertou, como é natural, maior interesse do público.

Dialogando com o conto de Borges, Bauman observou que a loteria é
uma instituição que recicla a vida mortal, transformando-a numa sequencia
interminável de novos começos. Cada novo começo pressagia outros riscos,
mas num pacote que compreende novas oportunidades. Nenhum dos
começos é definitivo e irrevogável. Assim a vida caminha acompanhada da
incerteza e da esperança.

O século XX foi um período em que era possível planejar e criar metas à
longo prazo. Hoje, é preciso ser rápido, planejar a curto prazo, o que torna
tudo inseguro e passível de mudanças. É sociedade líquida de que fala Bauman. A vida nunca é definitiva e o recomeço tem que ser feito a cada três ou quatro dias.

Assim, vivemos de domingo a quarta, dia de megasena, e
recomeçamos tudo novamente de quinta a sábado, sempre instigado pelo
maluco beleza Raul Seixas, que ensinava que, “como não sabemos por
inteiro, ganhar dinheiro, o que é muito fácil, não podemos parar”.

Afinal, para nossa tranquilidade espiritual, ganhar dinheiro não é
pecado. Respeitáveis estudiosos mostram que a Bíblia não condena o jogo. A
Bíblia, entretanto, nos alerta para que fiquemos longe do amor ao dinheiro (I
Timóteo 6:10; Hebreus 13:5). As Escrituras também nos encorajam a que
fiquemos longe das tentativas de “enriquecimento fácil” (Provérbios 13:11;
23:5; Eclesiastes 5:10). Certamente o jogo gira em torno do amor ao dinheiro
e inegavelmente tenta as pessoas com a promessa de riqueza fácil e rápida,
mas jogar por distração é pratica aceitável para os seguidores de Deus.
Espero que não haja discriminação quanto aos outros.

Para que seja legal e moral, basta que tenhamos merecimento. Afinal,
quem de nós não levou buzinada neurótica, só porque estava dentro do limite
de velocidade? Quem não teve que esperar no 0800, escutando musiquinha
ou marketing, enquanto ansiava pelo inatingível atendimento de uma pessoa
humana atenciosa? Quem não procurou cortar caminho pelo atendimento
digital e ao final este mandou ligar para o atendente inacessível? Quantos
esperaram por cartões de créditos, nos últimos três meses e quando o cartão
chegava, não vinha a senha, ou vice-versa? Quantos foram colocados como
caloteiros, na compra de aplicativos e outros serviços digitais porque o
número do cartão mudou sem que pedíssemos? Espero que esses méritos
sejam computados nos critérios da premiação. Que vençam os justos e os
oprimidos

Se não é pedir muito, em 2020, espero que a Reforma Fiscal não acabe
com esse único imposto justo, o imposto sobre a esperança.

FAUSTO MATTO GROSSO, Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS

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