31/01/2021 17h13
Por Rosildo Barcelos
“O Brasil não foi descoberto não, Santo Padre. O Brasil foi invadido e tomado dos indígenas. Esta é a verdadeira história de nosso povo, Santo Padre. Eu deixo aqui o meu apelo, apelo de 20 mil índios que habitam, lutam pela sua sobrevivência, nesse País tão grande e tão pequeno para nós”. Com essas palavras dirigidas ao sumo pontífice João Paulo II, o mundo conhecia Tupã-Y (Deus pequeno, em guarani), em julho de 1980 na capital do Amazonas. Um verdadeiro líder nascido às vésperas dos festejos natalinos no início da década de 20, na localidade denominada Rincão do Júlio, proximidades de Ponta Porã, no então Mato Grosso.
Essa mesma voz que fez tremer o planeta,pela repercussão internacional que teve foi calada com cinco tiros na noite de 25 de novembro de 1983. Conta a história que dias antes ele havia recusado uma oferta significativa de um fazendeiro para que convencesse os kaiowá a saírem da aldeia de Pirakuá, em Bela Vista, para um local específico proposto pelo governo.Mas esse calar foi momentâneo, porque Marçal de Souza, nos manuscritos de seus discursos deixou muito mais que letras alinhadas. Com ele aprendemos a dar valor na tríade de importância : Palavra,Terra e Teko (jeito de ser indígena).
Marçal de Souza já havia completado 63 anos quando feneceu ao lado de sua esposa,a índia Celina Vilhava, com 27 anos e que estava grávida de nove meses,mas quando o assunto era lutar pela sua gente tinha a vitalidade de um menino. Aliás, órfão antes de completar dez anos ele foi educado numa missão presbiteriana,onde aprendeu muito e também residiu com um oficial do exército em Recife/PE onde teve a oportunidade de continuar estudando. Quando retorna a Ponta Porã, já na década de 40 renova-se com a cultura de sua gente e torna-se guia e intérprete dos antropólogos Egon Shaden e Darcy Ribeiro, trabalhando também na condição de enfermeiro no posto da Funai. Inclusive, na ocasião de sua morte, Darcy Ribeiro discursou no senado, chamando o amigo de “brilhante intelectual Guarani.”
Com gestos e palavras eloquentes, Marçal de Souza não foi simplesmente um líder mas sim um símbolo da resistência inteligente, procurando ser combativo dentro da legalidade, fato que o promove e o ascende intelectual e espiritualmente. No próximo dia 7 de fevereiro estaremos comemorando o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas. LEI Nº 11.696, DE 12 DE JUNHO DE 2008. A data foi escolhida em homenagem ao líder indígena Sepé Tiaraju, que lutou contra a dominação espanhola e portuguesa no Rio Grande do Sul de 1753 a 1756. Sepé Tiaraju (São Luís Gonzaga, em 1723 — São Gabriel, 7 de fevereiro de 1756) foi um guerreiro indígena Guarani que comandou a revolta dos Sete Povos das Missões contra o Tratado de Madri e enfrentou os exércitos de Portugal e Espanha, em defesa do território localizado nos atuais centro e leste do Paraguai, noroeste da Argentina, sul do Brasil e norte do Uruguai. Em memória de Sepé e Marçal e tantos outros excelsos intimoratos e intemeratos homens, não podemos deixar que o estampido da pólvora seja mais alto que o diálogo do entendimento, e que a guerra seja maior que a paz; e que o bem seja derrotado pela iniquidade. O título ” Ínati ra tikóti énjerui” faz em tradução direta na língua indígena Terena :” A madeira que eu levantei é pesada.” Tantos ancestrais nossos, levantaram ideais e bandeiras pesadíssimas. Será que não chegou a hora de ombrearmos na luta por um Brasil melhor, e o fardo ser mais leve para cada um ?
Membro do Conselho de Políticas Culturais, detentor do Troféu Marçal de Souza Tupã-Y. Articulista com 1368 artigos publicados. Teve artigos seus traduzido para a língua Terena pela Doutoranda em Antropologia pela PUC/SP Lindomar Terena.