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sábado, 23 de novembro de 2024

Ditadura militar no sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul

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31/03/2021 13h51

Por: Suzana Arakaki, Doutora em História, Professora da UEMS/Amambai e Eudes Fernando Leite, Doutor em História, Professor da UFGD

A última ditadura militar brasileira, ocorrida nos anos 1964-1985 foi precedida de intensa campanha contra o presidente petebista João Goulart. A ditadura decorreu de um golpe de Estado, de composição civil-militar, conforme mostram os estudos históricos atuais. A rejeição à João Goulart teve início já com a renúncia de Jânio Quadros, quando militares postergaram o quanto foi possível a posse do então vice-presidente eleito. Pesava sobre ele a acusação de ser comunista. Com o arranjo do parlamentarismo, Goulart tomou posse e, em 1963 após plebiscito pela volta ao presidencialismo, assumiu o governo diretamente.

João Goulart foi um político petebista e havia sido ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Nesse período, os trabalhadores conquistaram espaço, com lideranças e organizando inúmeras entidades representativas. Goulart também apoiava militares de baixa patente em suas reivindicações.

Com um clima anticomunista gestado durante a Guerra Fria, os grupos de combate ao comunismo ganhavam força. No âmbito do legislativo foi formada a AÇÃO DEMOCRÁTICA PARLAMENTAR – ADP, reunindo parlamentares de vários partidos e com objetivo de combater a infiltração comunista na sociedade brasileira. A ADP lançou seus braços nas assembleias legislativas e se fez presente em várias unidades da federação.

Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso essas ações se mostraram perceptíveis nos projetos apresentados pelos deputados estaduais, principalmente os da UDN. Assim, foi criada a ASSOCIAÇÃO DEMOCRÁTICA MATO-GROSSENSE – ADEMAT, que se espraiou por vários municípios do sul de Mato Grosso e tinha os mesmos objetivos da ADP: combater o comunismo.

Quando o golpe de 64 foi deflagrado, aqui no sul do estado, então Mato Grosso, muitas pessoas foram perseguidas e presas, denunciadas por integrantes da ADEMAT. As ações da ADEMAT, antes e depois do golpe podem ser observadas nos jornais da época. Sua formação, composição e ações foram registradas por vários órgãos da imprensa. A única voz contrária às ações da ADEMAT partiu de um sindicato. O ex-deputado petebista Pedro Paulo de Souza escreveu a poesia “Verde a Liberdade” onde descreve as ações da ADEMAT:

ADEMAT tornou-se

Um órgão coordenador

Agarrava os comunistas

Com muito ódio e rancor

Tudo era esmagado

Pelo rolo compressor

Logo após o golpe, apareciam manchetes: “líderes sindicais foram presos e as organizações sindicais foram desmobilizadas com intervenções”. Em todas as cidades pessoas foram presas, denunciadas por outras, sob acusação de comunismo. Era grande a confusão entre comunista e petebista. Bastava ser petebista para ser acusado de comunista. As cadeias lotavam e em Corumbá, um navio foi usado para confinar os presos, entre eles o vereador petebista Valdemar Rosa.

Nas cidades de Itaporã e Dourados, pequenos proprietários rurais que haviam sido contemplados com lotes do programa de colonização durante o governo Vargas, foram presos. É de um agricultor preso, colono da CAND, a frase que dimensiona o clima que se instaurou na região: “Sofri, fui preso, foi seis polícia me pegá em casa, me prendero e falaram que ia me mata, me jogá no rio…me manda prá Cuba…nunca fui preso…minha vida é só trabalha em lavora onde se colhia 200 e 300 saco de feijão, então se uns home desse for comunista, então comunista é bão…”

Em todo o estado os políticos eleitos pelo PTB foram perseguidos. Alguns foram cassados, outros foram protegidos pelo próprio Exército, como o então prefeito de Dourados, Napoleão Francisco de Souza, do PTB, um veterano da Força Expedicionária Brasileira FEB que lutara na Segunda Guerra. Após o golpe, o grupo ligado à ADEMAT douradense exigiu que o prefeito Napoleão entregasse o cargo. O prefeito foi a Campo Grande e retornou para Dourados escoltado por viaturas do Exército, e sua permanência no cargo foi garantida até o final do mandato. Já os vereadores petebistas não tiveram o mesmo destino. Janary Carneiro Santiago e Gumercindo Bianchi foram sumariamente cassados. Em Aquidauana, vários trabalhadores foram presos e levados para celas no interior do 9º Batalhão de Engenharia e Combate, onde sofreram diversas formas de violências, para despois serem acusados e processados por acusações diversas, mas principalmente por atuação política. Grande parte desses presos tiveram ligações com o PTB.

Na Assembleia Legislativa, entre 1964 e 1968, seis deputados estaduais foram cassados. Na Câmara Federal foi cassado em 1969 um dos mais proeminentes políticos do sul do estado: Wilson Barbosa Martins cassado em fevereiro de 1969 e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos.

Uma das alegações para o golpe era a desmedida corrupção que assolava as instituições. A promessa para combater a corrupção no país foi materializada com a implantação da COMISSÃO GERAL DE INVESTIGAÇÕES CGI. No estado, as ações da CGI podem ser vistas na imprensa oficial do período. Muitas denúncias infundadas, meras rivalidades locais se transformavam em inquéritos administrativos de pouco resultado prático. Instituições como o Banco do Brasil da Ponta Porã, fizeram seu próprio expurgo instaurando sindicâncias contra seus funcionários suspeitos.

Os atos praticados contra civis e militares durante a ditadura militar estão registrados nos relatórios da Comissão da Verdade criadas nos estados bem como a Comissão Nacional da Verdade. Para os casos de prisão e perseguição política há estudos sustentados em fartas e diversificadas fontes que demonstram a violência contra pessoas de formação política, cultural e origens sociais diversas. Livros tratando da temática ditadura em Mato Grosso publicados por nós, por Aguinaldo Rodrigues Gomes e Rubens Valente dão conta de dois acontecimentos históricos inegáveis: 1º) o sul de Mato Grosso foi palco de repressão política, a partir do golpe de estado de 31 de março de 1964 e, muitos cidadãos sofreram a violência dos agentes do Estado Brasileiro, subvertido a partir do rompimento constitucional e, 2º) a bem da verdade histórica nunca é demais reafirmar: no dia 31 de março o país viveu um golpe de estado, nunca uma revolução e, o que se seguiu, foi uma ditadura que durou 21 anos.

Presidente João Goulart visita Dourados, em 1963. Na foto aparece ladeado pelo Prefeito Napoleão e o Governador de MT, Fernando Correa da Costa. (Acervo: Centro de Documentação Regional/ Faculdade de Ciências Humanas-UFGD)

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