20/01/2012 10h20 – Atualizado em 20/01/2012 10h20
Fonte: Por Fábio Nassif, da aldeia Arroyo Corá, em Paranhos (MS)/Cimi
Na última vez que foram desalojados, a aldeia inteira ficou na beira da estrada que liga Dourados ao município de Rio Brilhante por um ano e sete meses. O saldo deste período foi a morte de cinco pessoas por atropelamento e de um bebê de seis meses com água envenenada. Em maio de 2011, os guarani-kaiowá decidiram retornar à sua moradia e reocuparam uma parte do terreno. Desde então as liminares de despejo são utilizadas como forma de pressão.
Paranhos (MS) – Uma porteira, uma cerca de arame farpado e um mar de soja. O caminho de terra atravessa a plantação até as primeiras casas (Oypysy). A casa grande (foto) reúne as lideranças, as crianças e as rezas. A vida na aldeia Laranjeira Nhanderu concentra um histórico de idas e vindas jurídicas e políticas dos guarani-kaiowá que, além de enfrentar o desafio de sobreviver com políticas assistenciais, sofrem com a violência do agronegócio do Mato Grosso do Sul.
Os indígenas não titubeiam em afirmar que aquela terra lhes pertence. O cacique Faride Lima, que vive no local, conta que o nome da aldeia tem origem nos seus antepassados e que para os guarani-kaiowá é fundamental viver sobre este mesmo solo. Mas, na justiça que os não-índios mandam – e criaram, segundo a perspectiva histórica dos indígenas – a disputa pela terra é muito desigual.
Na última vez que foram desalojados, a aldeia inteira ficou na beira da estrada que liga Dourados ao município de Rio Brilhante por um ano e sete meses. O saldo deste período, além das péssimas condições de vida, foi a morte de pessoas de 22, 19, 16, 15 e 8 anos por atropelamento e de um bebê de seis meses com água envenenada. Em maio de 2011, os guarani-kaiowá decidiram retornar à sua moradia e reocuparam uma parte do terreno. Desde então as liminares de despejo são utilizadas como forma de pressão. Na visão do próprio cacique Faride, “usam a justiça, que nós não temos domínio nem acesso, para que o nosso povo não se organize e não lute”.
A primeira vez que foram retirados de suas terras aconteceu em 1920, quando o então órgão do governo, Serviço de Proteção ao Índio (SPI), tinha como projeto a ?integração dos índios à civilização?. Para isso, colocaram o povo guarani-kaiowá em terras reservadas. Na avaliação das lideranças guarani-kaiowá, essa política acabou excluindo os índios. A idéia de retirá-los de sua terra de origem os fez sofrer situações semelhantes aos não-índios pobres e os distanciou de sua cultura. Quando voltaram às terras originais, em 2007, eles encontraram tudo completamente ocupado pelo agronegócio.
Desde então, a aldeia já foi atacada três vezes por pistoleiros. Nos despejos, suas casas forradas com sapê são queimadas. Para eles, isso não é apenas um ataque a seu patrimônio, mas uma forma de atingir a cultura que faz daquela uma terra indígena. Hoje, apesar da reivindicação de 11 mil hectares, a área está em litígio, aguardando julgamento.
O geógrafo Eduardo Carlini afirma que a situação da aldeia Laranjeira Nhanderú é muito preocupante. Em sua opinião, a discussão sobre as demarcações das terras indígenas são frequentemente distorcidas. “Não estamos falando de um modo de vida camponês tradicional, propriamente dito. A caça, o extrativismo e a relação com a vegetação desses povos exigem que a decisão sobre o tamanho necessário da terra para a sua sobrevivência e manutenção cultural seja deles mesmos”, disse o membro da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ele faz parte da Expedição Marco Verón, que está visitando até o dia 25 diversas aldeias do Estado para registrar a situação de vida dos guarani-kaiowá e as ameaças de morte às suas lideranças.
Na quarta-feira (18), funcionários da FUNAI/MS fizeram ligações para lideranças da aldeia Laranjeira Nhanderu que se encontravam em reunião no território indígena Arroyo Corá (no município de Paranhos, a poucos quilômetros da fronteira com o Paraguai), para informar que a aldeia está com nova ordem judicial de despejo. Em outra ligação, a representante do órgão, Maria Aparecida (conhecida como Lia), manifestou seu desagrado com a matéria publicada pela Carta Maior no último dia 16. Na reportagem, ela afirmou que “o papel da Funai é mediar conflito entre os fazendeiros e os indígenas” e que em algumas áreas a Funai e a Polícia Federal não atuam devido ao poder e agressividade dos fazendeiros.
O advogado Pedro Peruzzo, que contribui com a expedição, não encontrou informações no site do Superior Tribunal Federal e dos órgãos de justiça estaduais sobre o litígio.