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terça-feira, 26 de novembro de 2024

De olho no Brasil e ouvindo brasileiros

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20/06/2013 16h29 – Atualizado em 20/06/2013 16h29

Vai ver que o Brasil está de fato virando uma democracia. Mas não é um caminho fácil. E não se iluda o governo: recebendo mais e vivendo melhor, a galera não vai se aquietar. Pelo contrário

Por: Flávio Aguiar do RBA

Em meados deste junho fiz uma rápida visita ao Brasil, para várias revisões. A inevitável revisão bancária, com troca de cartões, reativamento de contas etc. A também inevitável revisão dentária, com trocas de pivôs, novos implantes etc. E uma revisão familiar, regada por filhas, genros, netas e neto. Tudo muito bom. Daí o vazio existencial em que deixei este blog (espero que os leitores tenham notado…)

No meio disto, começaram a Copa das Confederações e a Copa das Manifestações. Na primeira, houve o episódio das vaias a Dilma Rousseff. De olho na telinha (na verdade um telão), eu ouvi muito bem que houve vaias e aplausos. Claro que, como era de se esperar, a velha mídia destacou apenas as primeiras. Ainda assim, um ou outro comentário foi obrigado a registrar a existência dos segundos.

O que me surpreendeu mais foi o pessoal do governo não ter previsto corretamente tal possibilidade. O que mais existe em campo de futebol é vaia – muito mais do que aplauso. Até o Ernesto Geisel, no tempo da ditadura, levou vaia em campo. Houve até alguém que previu algo, e pelo que li transferiram o discurso de Dilma do centro do campo para a tribuna de honra – ou seja, mais para perto ainda da galera que estava a fim mesmo de vaiar a nossa presidenta.

Já na Copa das Manifestações houve um comportamento curioso também na nossa velha mídia. De um lado, surgiram as exigências de “rigor” por parte das autoridades. Mas aí, nas redações, alguéns se lembraram de que o prefeito de São Paulo era do PT. Aí começou a rebarba retórica: “rigor” sim, mas a prefeitura de São Paulo dá mostras de não entender o que se passa… E por aí vai, tudo muito previsível. Em meio a tudo isso, como sou um jornalista de muitas relações, dediquei-me a ouvir alguns de meus amigos brasileiros, de olho no Brasil.

O que se segue é um resumo descorado do que ouvi em vozes quase sempre acaloradas.
Começo por meu amigo Salústio Salcedo. Salústio não apenas vota verde; ele é verde. Mas de um verde ilustrado. Ele é destes que me olha com indisfarçável inveja, por eu viver na “civilização” (a Europa) e ele não (o Brasil). Ele sempre me diz que eu devo me achar no fim do mundo cada vez que venho ao Brasil. Por que o fim do mundo? Porque, me diz ele, o Brasil é pior do que a África (sic): lá, pelo menos, há tribos que brigam entre si. Aqui (no Brasil) nem tribos mais há; é um faroeste sem lei nem xerife, só tem bandido à solta.

Salústio diz que não ageenta mais nem vizinho: quer viver numa chácara em Curitiba, com muros altos para não enxergar nem as casas próximas. Confesso: não tenho como contrariá-lo. A Europa de fantasia a que ele se refere faz parte de sua identidade. Ameaçá-la é ameaçá-lo. Não dá nem para arriscar falar.

Para equilibrar o relato, pulo para meu amigo Morgado Janjão. Morgado é um entusiasta do governo Dilma. É uma avis rara: trabalha no mundo das finanças, é assessor de bancos e financeiras, e vota no PT (sic!). Disse ele para mim, muito sério: Lula é um negociador, mas a Dilma é uma revolucionária. O que está acontecendo por aqui é que ela vem mexendo em interesses cristalizados na sociedade brasileira. Fazendo um monte de inimigos e descontentes. Veja o mundo em que eu (ele) trabalho: bancos, financeiras, etc.

Ao baixar os juros, Dilma atacou o spread dos bancos (a diferença entre os juros cobrados e os efetivamente pagos pelas instituições financeiras) e fez inimigos dentro e fora do Brasil. Dilma está mexendo na infraestrutura portuária, atingindo interesses ali ancorados há décadas, senão séculos, inclusive os dos sindicatos de estivadores, veja só. Por isso a velha mídia, os arautos e sacerdotes do mundo financeiro, das crendices neoliberais, não a perdoam. Ela vai levar mais fogo ainda.

Do meu amigo otimista pulo para minha amiga Ventura Salina. Ventura é daquelas que acha o PSTU, o PSOL e o PCO verdadeiras armações burguesas para destruir o poder de luta dos trabalhadores. Não tem curé-curé (até hoje não sei o que isto quer dizer, mas que diz, diz): Dilma e o PT não só se atrelaram ao PSDB, mas copiam a ditadura militar. Afinal, me diz ela, veja Belo Monte: não é um projeto da ditadura que o PT importou? Diga, é ou não é? Para ela é tudo assim mesmo, na base do é ou não é. Descasca o Haddad que, de braço dado com Alckmin, estaria mandando baixar o pau nos manifestantes e fechando as ruas de São Paulo à inevitável revolução das massas. Não duvido que ela tenha sido uma das portadoras do cartaz “Fora Dilma” que apareceu nas manifestações em diversas cores e versões.

Para equilibrar, vou em busca de meu velho amigo Místico Medeiros, veterano sindicalista de cabelos e bigodes brancos, daqueles que podem se dar ao luxo de chamar o Luiz Inácio de “Baiano”, que é como ele era chamado antes de se tornar o Lula do Brasil. Místico está perplexo: um de seus netos está liderando as manifestações. Mas ele sublinha: as manifestações, não o vandalismo daquela punkaiada desabrida. E me diz ainda: o pior que as nossas esquerdas podem fazer é empurrar esta moçada para a direita, negando a legitimidade das suas manifestações. Ressalta: a maioria desta juvenília se deu conta de que era gente já com o governo do Baiano em marcha. Estão tendo o seu batismo de fogo, ou de borracha, com a intervenção da polícia. Muitos se acham na Praça Tahir, ou na Taksim, e acreditam pia e fervorosamente que estão mudando o mundo. E vai ver que, em parte, estão mesmo, pois estão mudando a si mesmos, renegando serem vaquinhas de presépio.

A gente tem de negociar, sempre. Não foi o que o Baiano fez a vida inteira, até nas Alemanhas onde você (eu) vive? O Haddad tinha que ter falado em negociar desde o primeiro dia, não aquilo de que só negocia sem violência. Afinal, a sociedade brasileira não foi uma contínua violência contra trabalhadores desde sempre? Nem por isso eu e o Baiano recusamos negociações, não é mesmo?

Fica por aqui a minha lista de amigos. Se algum dos seus nomes lembram o de outras pessoas, afirmo: é mera coincidência.

Voltei para as Alemanhas, como diz o Místico, certo de uma coisa: no Brasil as pessoas, as classes, os grupos, estão mudando de lugar, de perfil, de consumo, sei lá. E isto deixa todo mundo alterado, falando alto, disposto a algo, embora nem sempre se saiba muito bem o quê.

Já aqui, recebi a notícia de que, seguindo exemplos de outras cidades, o Haddad e o Paes (no Rio) tinham recuado no preço das passagens. Não pude deixar de pensar no meu amigo Salústio. Se ele se der conta de que aqui na Europa a turma pode fazer manifestação à vontade, em Lisboa, Roma, Madri, Bruxelas, Atenas, Frankfurt, Dublin, Londres, ou onde mais for, que a polícia vem, baixa o cacete, e nenhum governante cede um milímetro dos seus planos de “austeridade”, e o saque de direitos, esperanças e sonhos continua.
Vai ver que o Brasil está de fato virando uma democracia. Mas não se pense que este é um caminho fácil. E não se iluda o governo: recebendo mais e vivendo melhor do que antes, a galera não vai se aquietar. Pelo contrário, vai querer mais ainda.

Enquanto na Europa os políticos não recuam, no Brasil a sociedade está levando a mudanças fundamentais

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