20/01/2014 09h17 – Atualizado em 20/01/2014 09h17
Por: Rogério Fernandes Lemes – Sociólogo e Poeta
Certa vez, conversando com um senhor de oitenta e sete anos de idade, falávamos sobre alguns acontecimentos noticiados pela mídia que, inevitavelmente, causam certo espanto e desconforto. No caso brasileiro, os escândalos de corrupção do governo em todas as esferas, bem como os homicídios de mulheres e crianças. Dado momento, aquele senhor fez um questionamento sobre o paradeiro “da palavra dos homens”.
Sua admiração refletia a transformação rápida entre as novas gerações. A expressão “no meu tempo” era a única coisa que ainda permanecia em sua memória como um referencial confiável, pois as demais interações sociais, a seu ver, eram tremendamente diferentes e inconcebíveis.
Em um primeiro momento, apenas limitei-me a ouvi-lo, no intuito de apreender algo que me auxiliasse compreender, também, meu próprio tempo. Obviamente que minhas reais limitações intelectuais impedem-me de emitir qualquer parecer ou “achismo”. Talvez o conceito de liquefação seja o mais adequado para fundamentar algumas afirmações sociológicas, mesmo que reduzidas e fragilizadas.
Bauman, sociólogo polonês, criou o termo “modernidade líquida” justamente para compreender o tempo em que vivemos. Para ele, a sociedade moderna possui algumas características como “o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis”, características estas, construídas socialmente e incorporadas pelo imaginário popular, paulatinamente.
O questionamento daquele senhor de oitenta e sete anos seria facilmente respondido por uma pessoa minimante esclarecida. Significa dizer que o problema não é a falta de informação. As pessoas se desinformam justamente pela grande quantidade de informações desconexas e, o pior de tudo, não há uma preocupação em preparar o indivíduo para “ler”, de forma coerente, a mensagem do mundo exterior.
Gradativamente, as pessoas foram bombardeadas com pequenas pulverizações ideológicas de que “nada é para sempre”, ou seja, “tudo é para o agora”. Trata-se de um reducionismo existencial que potencializa o sofrimento e a frustração. Assim, “a palavra dos homens” que, “no tempo daquele senhor” significava honrar um acordo firmado desaparece da interação entre os indivíduos justamente por estabelecer uma estrutura rígida e minimamente duradoura.
A própria concepção de “progresso” não é mais a mesma do tempo daquele senhor de oitenta e sete anos de idade. Segundo Bauman “nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de “progresso”, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: “progresso”, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração. De não descer ou embarcar a tempo. De não estar atualizado com a nova moda. De não abandonar rapidamente o suficiente habilidades e hábitos ultrapassados e de falhar ao desenvolver as novas habilidades e hábitos que os substituem.
No tempo daquele senhor de oitenta e sete anos de idade, as pessoas eram esperançosas e acreditavam que “o melhor estaria por vir”. Em nosso tempo, qual é a nossa esperança?
Temos informações suficientes, por exemplo, para “prever” o aquecimento global e suas devastações, mas o que, de fato, fazemos para garantir o futuro do planeta e o nosso próprio futuro? O que seria melhor: “erguer paredes de pedra e aço ou o desmantelar cercas espirituais”? Ou ainda: “poderia o ser humano dominar aquilo que a mente humana criou?”.
Aquele senhor de oitenta e sete anos de idade faleceu no dia dezenove de novembro de dois mil e treze. Seu questionamento retrata a dinâmica social e sua velocidade mutante. O progresso assusta pelo fato de não exigir de nós conhecimento acumulado, mas habilidades momentâneas, rapidamente substituídas por novas demandas. A esperança passa a ser ridicularizada pelo simples fato de manter sua forma permanente de espera em um mundo de pressões por mudanças contínuas e satisfações efêmeras.
Uma sociedade sem esperança e “convencida” de que “nada dura para sempre”, de igual forma, acreditará que sua própria existência é insignificante; não se importará com sua autodestruição, desde que seus “cidadãos” tenham suas necessidades supridas a qualquer custo.