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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

A corrupção é um sistema

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08/04/2014 09h38 – Atualizado em 08/04/2014 09h38

André Vargas será o inimigo público número um antes de sumir, e a questão central não será atacada.

Por Jean Wyllys – CartaCapital

O caso do deputado André Vargas (PT-PR), ex-vice-presidente da Câmara (ele pediu afastamento do cargo e licença do mandato em função das denúncias que pesam sobre si), como outros escândalos de corrupção que lhe precederam, provavelmente leve mais uma vez à reprodução da mesma sucessão de discursos hipócritas e superficiais que evitam o problema de fundo. Muitos petistas dirão que é um “ataque do PIG” contra o partido e o governo, indiferentes às provas do envolvimento do deputado em tráfico de influência e na negociação de contratos no mínimo suspeitos com um empresário amigo.

A oposição de direita, por sua vez e com a ajuda de parte da mídia, tentará mostrar que a corrupção é patrimônio exclusivo de petistas (ou, como os mais reacionários dizem, de “petralhas”), escondendo os inúmeros casos envolvendo tucanos, democratas et caterva. E é até provável que a bancada de fundamentalistas religiosos e o velho partido da “governabilidade” que preside ambas as casas do Congresso aproveitem a crise para obter mais concessões, como quando as denúncias contra o ex-ministro Palocci serviram para enterrar o programa Escola sem Homofobia (condição dos deputados fundamentalistas para não apoiar a formação de uma CPI para investigá-Io). Os jornais tratarão do caso como apenas isso: mais um caso. Ouviremos por semanas o nome do deputado, que será o “inimigo público” do mês, numa personalização de um problema que é, na verdade, sistêmico. E depois, outra notícia impactante se imporá — talvez outro escândalo de corrupção – e não falaremos mais sobre Vargas.

Longe de querer defender o deputado André Vargas (muito pelo contrário: defendo que as denúncias sejam rigorosamente investigadas e que, provada a culpa do deputado, este pague por ela), eu, entretanto, penso que a corrupção mereça uma abordagem que vá além do biográfico. Existem, na minha opinião, quatro erros comuns que se repetem cada vez que um caso de corrupção vem à tona e se transforma no “escândalo”, sobre os quais precisamos refletir:

1) O problema da corrupção não são os casos individuais, porém, cada vez que um caso de corrupção estoura na mídia, é tratado como se fosse um caso isolado. Assistimos, então, à construção de um “vilão”, sobre o qual recai a culpa por algo que não é mais do que um sintoma de um problema sistêmico. Nenhum partido (nem o meu) está isento de ter, em suas fileiras, um corrupto. Se o problema fosse apenas existirem pessoas corruptas, não seria tão grave: a solução seria apenas identificar e expulsá-las. Mas sabemos que o problema não é esse.

A corrupção é um componente inevitável de um sistema de governo em que as campanhas são financiadas por bancos, empreiteiras, empresários do agronegócio, igrejas fundamentalistas milionárias e todo tipo de lobistas; a governabilidade se garante comprando votos no Congresso (e o “mensalão”, seja petista ou tucano, não é a única maneira de se fazer isso; existem formas indiretas, como a distribuição, entre partidos aliados, de ministérios e órgãos públicos em função não do mérito, mas do orçamento) e governantes e parlamentares se preocupam mais em agradar empresários e corporações do que em manter o espírito republicano. Casos como o de André Vargas, nesse contexto, não são um desvio, mas um sintoma.

2) O problema da corrupção não é só moral. O “udenismo” costuma dominar o debate sobre a corrupção, e tudo é reduzido a desvios éticos individuais. A corrupção é também um problema econômico (porque são bilhões de reais que “somem” do orçamento da União, dos estados e dos municípios) e, sobretudo, um problema POLÍTICO. Não é por acaso que o PT, que antigamente era visto como o partido da ética, passou a se envolver cada vez mais casos de corrupção desde que chegou aos governos.

A corrupção acompanhou a aliança com o poder financeiro e o agronegócio; veio junto com submissão ao fundamentalismo religioso e com os acordos cada vez mais escandalosos com pilantras disfarçados de pastores que dominam o Congresso; acompanhou o uso da repressão contra o povo nas ruas e a adoção do discurso da “segurança nacional” que, no passado, foi usado para reprimir aqueles que hoje estão no governo. Ou seja, o que houve não foi uma degradação moral, mas uma renúncia ideológica e programática.

E, por isso, a grana e os privilégios do poder substituíram, em muitos petistas (não em todos nem mesmo na maioria militante!), as convicções e a vontade de mudar o mundo como razão para se engajar na política. Então, se realmente quisermos acabar com a corrupção, o primeiro passo é voltar a dotar a política de sentido e conteúdo, para que mais gente entre nela desejando mudar o mundo e não ficar rico.

3) O problema da corrupção não é apenas a violação das normas, mas o fato de ela muitas vezes ser as próprias normas. Um bom exemplo disso é o financiamento de campanhas, que está sendo julgado pelo STF: se um candidato faz uma campanha milionária financiada por empreiteiras e empresários do transporte e, já eleito, tem que decidir entre aumentar ou não a passagem de ônibus ou tem de escolher entre os direitos dos moradores e os interesses de uma empresa cujo projeto imobiliário implica em removê-los, qual será mesmo a escolha dele? Se um senador teve sua campanha financiada pelo agronegócio, vai votar a favor de que tipo de Código Florestal?

Sendo assim, esse sistema eleitoral, que leva à formação de mega-coligações para garantir a governabilidade, não pode prescindir da corrupção. Ou vocês acham que o partido do sistema, que já foi aliado de petistas e tucanos, vai votar as leis porque lhe parecem boas se não tiver mais dois ministérios em troca? Tem inúmeras condições estruturais que favorecem ou até impõem a corrupção como combustível necessário para o funcionamento do sistema. Por isso, de nada adianta fazer, da corrupção, um problema apenas moral se não fizermos mudanças estruturais; se não mudarmos as regras do jogo.

4) A corrupção não é o único nem o mais importante problema da política. Vamos supor, por um instante, que fulano, candidato a presidente, governador o prefeito, é uma pessoa comprovadamente honesta, no sentido mais restrito do termo: jamais usaria do cargo para se beneficiar ou beneficiar amigos e familiares; jamais enriqueceria com dinheiro público; jamais roubaria ou seria cúmplice ou partícipe de um roubo. Contudo, esse mesmo fulano defende uma política econômica que prejudica os trabalhadores; é fundamentalista, racista, homofóbico, tem ideias ultrapassadas sobre as relações humanas; é autoritário, personalista e etc. logo, a honestidade dever ser um dos requisitos para se escolher um político, mas não podemos nos esquecer de que o mais importante é a política que ele faz ou propõe: as ideias, o programa, a visão de mundo, os interesses em jogo.

Colocar a corrupção (vista, como já dissemos, como um problema moral, exclusivamente individual, identificado apenas com um determinado setor político e, ao mesmo tempo, despolitizado no sentido mais amplo) é também uma forma de esconder os verdadeiros debates de que o país precisa, como se todos os nossos problemas se reduzissem a três ou quatro escândalos convenientemente destacados nas manchetes.

Jean Wyllys, jornalista e linguista, é deputado federal pelo PSOL-RJ e integrante da frente parlamentar em defesa dos direitos LGBT.

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