13/05/2014 09h39 – Atualizado em 13/05/2014 09h39
Por Gerson Brusco Gonzalez
Alguns assuntos geram polêmica, passe o tempo que passar. E a concessão da Carteira Nacional de Habilitação a jovens de 16 anos certamente é um desses! A tendência é que pessoas com até 30 anos de idade sejam completamente a favor e os mais velhos contra. Mas isso, acreditem não é uma regra.
Unanimidade?
Será que todos os jovens brasileiros de 16 anos gostariam e aceitariam dirigir por dois anos com o pai, a mãe, o avô ou o irmão mais velho do lado, como acontece nos EUA? E os maiores de 18 anos, gostariam de se responsabilizar criminalmente por um conhecido ou primo distante menor de idade se algo der errado? A Carta de Motorista aos 16 anos seria aprovada pelos políticos?
Primeiramente, um assunto como a redução da idade para se tirar a carteira de motorista só será discutida no Congresso Nacional se houver uma pressão muito grande da sociedade brasileira, como abaixo-assinados, campanhas em algum tipo de mídia e manifestações públicas bem fundamentadas. E num país como o nosso em que na maior parte das vezes político e povo só estão próximos no dicionário, isto não seria a garantia de ter o assunto levado adiante.
Veja que assuntos como a revisão da lei do aborto, fim do voto obrigatório, fim do serviço militar obrigatório, descriminalização da maconha e redução da maioridade penal sequer são discutidos. Muitas vezes são barrados na porta do Congresso por setores conservadores da sociedade como Igreja, Associações Militares e Organizações Defensoras de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Direitos Humanos. E na calada da noite o assunto some da pauta.
Polêmica tira voto. Assim, deputados e senadores sufocam a discussão. E a sociedade tem que se reorganizar novamente e conseguir (re)colocar as discussões na mesa outra vez. E olha que hoje temos blogs, twitter, facebook, orkut, ONGs. imprensa livre e liberdade de expressão. Pode demorar…
Sendo assim, caro jovem de 14 anos que terá 16 em 2014, ano de eleição, pense numa coisa: se você deseja que seus irmãos, primos e amigos mais novos que você dirijam mais cedo, a primeira coisa que você tem que fazer é começar a se interessar por política agora.
E começar a pesquisar por partidos políticos e nomes de deputados e senadores atuais ou nomes que possam surgir até 2014 que tenham em seu plano de governo algo sobre concessão de CNH aos 16. Tem que estar escrito no plano de governo, senão não vale: pode ser apenas um candidato oportunista se aproveitando do calor da discussão do tema.
E por que eu disse “se você quiser que seus irmãos, primos e amigos mais novos que você dirijam mais cedo”? E você, como fica? Pois é, amigo, ser cidadão é isso: mesmo que não aproveite diretamente, você começa agora a mudar o mundo para quem vem depois de você! E o que vai ganhar com isso? Na verdade já ganhou: se hoje você pode estudar de graça, votar aos 16 e ter direito a quem o defenda se você for agredido injustamente por seus pais ou outro adulto, é porque gerações antes de você prepararam o caminho!
É como a história de dois velhos conversando debaixo de um pé de manga – ou mangueira – num dia de sol quente. Enquanto cada um chupava uma manga bem doce, um deles disse ao outro que pretendia plantar uma jabuticabeira, mas que iria demorar 8 anos para que ela desse a primeira jabuticaba. E por isso pensava em desistir. O amigo logo chamou sua atenção: – “Só estamos na sombra e saboreando estas mangas porque alguém que não conhecemos, há uns 40 anos atrás plantou esta árvore!”.
Uma lei que teria que mudar outras
Vamos supor que sociedade e políticos se entendam para discutir uma lei que permita que o jovem de 16 possa guiar automóvel. O que mais precisaria ser discutido? Quais outros pontos paralelos e não menos importantes precisariam ser debatidos junto com essa redução de 2 anos na idade do futuro motorista? Em minha opinião, precisaria ser discutido também:
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Como disse acima, sozinho ou acompanhado? No modelo adotado em diversos Estados nos EUA, o condutor com 16 anos deverá conduzir por dois anos, com CNH provisória, acompanhado por um adulto com 21 anos de idade ou mais, seja este habilitado ou não. Em outros Estados não poderá transportar menores de 21 anos. Crianças jamais. Em certos casos no máximo dois passageiros adultos além dele.
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Durante o dia todo? Utilizando-se ainda os EUA como parâmetro, os habilitados com 16 anos de idade, em vários Estados, podem dirigir apenas durante a luz do dia ou até um horário determinado por lei (por exemplo, 20h). No Estado de Nova Iorque há exceção para os que obtiverem permissão do Estado para voltarem da escola, do trabalho ou de tratamentos médicos à noite.
Ou seja: podemos observar que mesmo nos EUA, dirigir aos 16 não é aquela festa toda não é, moçada? Se aqui no Brasil fosse adotado este sistema, os que quisessem tirar carta para pagar de gatinho(a) com amigos, ficantes ou namorados da mesma idade na balada certamente iriam se desapontar. E para completar: americanos dirigem com 16. Mas só podem consumir álcool com 21.
- Emancipação ou Maioridade Penal Reduzida? Chegou a ser apresentado um projeto de Lei no ano passado (571/71) que autorizaria jovens a partir de 16 anos a tirar sua carteira, desde que fossem emancipados pelos pais ou responsáveis.
Para quem não sabe, a emancipação permite ao emancipado que se case, trabalhe no serviço público, tire diploma universitário, tenha empresa ou exerça profissão autônoma e…seja preso ao cometer crimes, embora caiba a um juiz dizer em que tipo de estabelecimento penal: Fundação Casa ou Prisão.
Segundo o projeto acima, os crimes de direção cometidos por menores de 18, mesmo habilitados, seriam regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e não pelo Código Penal, o que ao meu ver poderia incentivar o uso de menores habilitados pelo crime organizado, além de criar dois pesos e duas medidas ao punir alguns motoristas e proteger outros.
Outra hipótese seria a redução da maioridade penal para 16 anos. Neste caso, o código penal precisaria ser modificado e os setores conservadores da política e da sociedade fogem ao máximo da discussão do tema. Fazem parte dos temas-tabu como o fim do voto obrigatório, por exemplo.
- Investimento Público e modernização da Constituição para acolher os Novos Motoristas – Esses 2 aninhos a menos na concessão da carteira certamente traria inúmeras mudanças na Sociedade. Seria necessário mudar: Qualidade da Educação, incluindo aulas teóricas e práticas de trânsito e cidadania; redução na Idade para o jovem trabalhar, já que ter um carro será um sonho que muitos terão que ralar para conseguir realizar; Ajustes nos Códigos da Criança e do Adolescente; Fim do Serviço Militar Obrigatório para que muitos que não querem seguir carreira não tenham que dar uma pausa nos estudos e no trabalho; Infraestrutura para comportar mais carros nas ruas e estradas e mais vagas em hospitais pois possivelmente haverá aumento de acidentes de carro; mais eficiência e clareza no uso do DPVAT (vulgo Seguro Obrigatório); Maior rigidez na aplicação da Lei do Bafômetro.
Se não for possível alterar os itens acima, melhor deixar tudo como está, pois o Brasil entraria em colapso.
- Encarar a Realidade – No Brasil é cultural tapar o sol com a peneira e fingir que as coisas não acontecem. Milhões de crianças e jovens já começam a gostar de carro antes de aprender a falar, vide os brinquedos, animes e games pelos quais se interessam.
E com sete ou oito anos muitos já querem saber como funciona, manobram o carro na garagem, dirigem no colo do pai e pegam o carro e a moto na adolescência (escondido ou não). Na realidade, na prática, muitos e muitos jovens já dirigem.
Isto foi enxergado nos EUA e por isso legalizado. Aqui se finge que o jovem de 16 anos de hoje é igual ao jovem de 16 anos dos idos de 1930 quando o código penal foi criado e quando cavalos e charretes eram o transporte individual mais popular.
Além disso, no Brasil, o ato de dirigir para certas faixas etárias está associado muito mais a status e auto-afirmação da personalidade do que a necessidade de locomoção propriamente dita. E muitos pais inclusive incentivam os filhos para contar vantagem aos amigos.
Tudo isto tem que ser encarado e resolvido, pois a sociedade é dinâmica. Fingir a vida toda que a lei é cumprida e que ela vale para todos sem exceção, com leis mancas e desatualizadas, não pode ser um padrão eterno.
- Legislação de Trânsito Específica
Obviamente que o Código Brasileiro de Trânsito precisaria sofrer alterações para ficar em dia com todas as mudanças acima em função de abrigar os motoristas sub-18. O ideal seria que fosse implantado um Projeto Motorista Cidadão. Algo mais educativo do que punitivo. Adivinhem onde isto deveria começar? Acertou quem disse “na escola”.
E mais uma vez, espelhando-se na Lei Americana, alunos com boas notas e bom equilíbrio psicológico frequentariam a escolinha de trânsito especial para jovens motoristas. Muitas vezes dentro da própria escola. Outras em Centros de Formação Especial conveniados.
Em Estados como Arkansas, Michigan, Montana, Dakota do Norte, Dakota do Sul e mais outros cinco, jovens com 14 anos recebem aulas teóricas de legislação e cidadania e aulas práticas. Em outros Estados esta idade pode ser de 15 ou 16 anos.
Nas aulas práticas, começa a dirigir sob o olhar atento de instrutores, num circuito sinalizado que simula uma cidade com faixas de pedestres, placas que indicam escola e hospital e com outros jovens dentro do carro, para que tenham noção da responsabilidade de transportar outras pessoas, além de apenas conduzir um carro.
No Brasil, para incentivar a cidadania e democratizar o acesso às aulas, seria necessário que escolas públicas oferecessem estas oportunidades. Será que a Sexta Economia do Mundo não tem dinheiro pra isso? Olha que algo assim poderia até ajudar a diminuir a evasão escolar na adolescência.
Outras mudanças no Código seriam no sentido de elaborar exames psicotécnicos que levassem em conta as características intelectuais, motoras e psicológicas deste novo grupo em idade de formação de caráter e personalidade, com características comportamentais, hormonais e sociais específicas.
Assim, o ciclo que começa desde que uma criança ganha seu primeiro carrinho, assiste os primeiros desenhos animados contendo motos e carros, começa a andar de bicicleta, skate, rolimã, bate-bate, joga video-games com carros e motos e então passa a lidar com veículos motorizados de verdade se completaria de maneira legalizada, correta e eficiente.
Não adianta punir o Adulto se não se educou a criança. E patrocinar uma indústria de multas à custa disso. Até o preço dos seguros poderia cair com tais medidas. E sem hipocrisia ou caretice, deve-se lembrar que é no Kart já a partir dos 6 ou 7 anos de idade que se sentaram Ayrton Senna e Schumacher.
E precisamos de novos Piquets, Sennas e Rubinhos, não precisamos? E os que não se tornarem pilotos certamente serão melhores motoristas. Que não podemos esquecer, é uma profissão muito requisitada num país extremamente rodoviário como o Brasil.
Conclusão
Meu objetivo com tudo que escrevi aqui é levantar um debate sobre o tema CNH aos 16. No entanto, não serei eu quem darei a resposta se um dia isso se tornará realidade. E mais, como disse acima, assim como descriminalização do aborto, Lei da Ficha Limpa entre outros temas, este é mais um assunto denso que exige uma discussão participativa de toda a Sociedade.
Efetivada ou não pelos representantes que Ela põe lá em Brasília e nas Assembléis estaduais e municipais. E você que tem 16 ou menos, achou que uma mudança poderia exigir outras tantas? E que levaria tempo? Estejam todos à vontade para iniciar o – longo – debate!