15/02/2015 10h00 – Atualizado em 15/02/2015 10h00
Por Rita Lisauskas
Mais do que se preocupar se seu filho vai ser médico ou engenheiro, você tem que se dedicar mesmo para que ele não se transforme em um cretino. Porque ninguém nasce mau caráter (assim como ninguém nasce médico ou engenheiro) então se ele se tornar um canalha a culpa é da educação que se deu (ou que se deixou de dar).
No carnaval do ano passado, uma amiga jornalista não conseguiu fazer uma reportagem em um bloco na Vila Madalena, em São Paulo, porque era assediada fisicamente pela “acadêmicos dos cafajestes”. Ela estava devidamente identificada com o microfone da empresa onde trabalha, mas nem assim foi respeitada. Os machos alfa se sentiram no direito de tocá-la de forma desrespeitosa e insistente mesmo ela gritando, empurrando e mostrando de todas as formas que eles não eram bem-vindos. Muitos homens não aceitam o “não” e acreditam que mulheres podem ser intimidadas e subjugadas. Para eles mulher de roupa curta quer e merece ser estuprada, a de calça justa está querendo se mostrar e mulher que sai à noite quer sexo (com eles, claro). Se além de tudo ela estiver num baile de carnaval é certeza: “Já vou chegar-chegando porque ela quer ‘dar’ para o primeiro que aparecer. O que uma mulher faz em um baile de carnaval?”
Mas de onde sai esse conceito, alguém tem um palpite? Eu tenho, e é o seguinte: Esse pensamento nasce na cabeça das crianças depois de ouvirem as conversas no almoço de domingo, o bate-papo em frente a televisão, as fofocas no portão de casa.
“Um horror essas meninas que saem à noite vestidas desse jeito”, comenta a mãe ao ver a vizinha de saia curta. A prima da cunhada que foi abusada por um garoto em uma casa noturna tem culpa no cartório também, segundo a mesma mãe. “É claro que aconteceu isso, essa menina não se dá ao respeito!” E esse mesmo comentário faz o pai, ao saber que a filha adolescente da vizinha está grávida. Nenhuma palavra sobre aquele com quem ela fez sexo ou sobre o bêbado que usou da força para subjugar a jovem na boate. ”Depois dos 12 anos as meninas não podem vir mais de saia na escola porque, sabe como é, os meninos nessa idade já ficam olhando”, justifica a diretora de um colégio de São Paulo (que tal uma burca, diretora?). Nenhuma palavra sobre o direito que as mulheres têm de usar saia, shorts ou o que quiserem em um dia de calor assim como os homens o fazem.
Sobre o comportamento masculino ouve-se no mesmo almoço de domingo/sofá da sala/portão de casa: “Isso é coisa da idade, deixa ele!” ou “esse é macho como o pai/tio/avô!” sobre os filhos que trocam de namorada como trocam de cueca ou partem para cima das meninas em uma festa. “Melhor assim do que ser viado”, brada o pai, orgulhoso, sobre o predador e mau caráter que cresce debaixo do seu teto. Perder a virgindade com prostitutas e manipular as mulheres também são comportamentos aceitáveis e propagados de forma positiva na frente das crianças pequenas por pais e também, pasme, por suas mães.
Depois de ver e ouvir tudo isso, chegamos ao baile de carnaval. “No Carnaval pode tudo!” Se eles já acham que podem tudo o ano inteiro quando o assunto é mulher, imagine nessa época do ano.
Eduque seu filho pequeno para que ele não seja o cafajeste do próximo carnaval. Comece lembrando a ele todos os dias e em todas as vezes que o mundo disser que “moça de família não se veste assim” que moça de família se veste como quiser e pode, inclusive, nem querer ser “moça de família”. Depois, cada vez que o mundo culpar a mulher quando ela na verdade for uma vítima, ensine-o a levantar a voz. Porque a mãe dele, a irmã, a tia, a madrinha e a avó são mulheres, que podem ser vítimas do silêncio de alguém como ele no trem, no ônibus, na rua, na boate, no shopping. E diga a ele que mulher gosta de ser cantada sim, mas com respeito e, sobretudo, com inteligência. “O que você faz além de sucesso?” (valeu Fred, atacante-gato do Fluminense) é muito melhor e mais efetivo do que o terrível “gostosa”.
PS: Nem venha com o comentário “mas tem mulher que se veste que nem prostituta”. Isso não dá a ninguém o direito de assediá-la ou estuprá-la. Fim.